Hassan: «Estava no sofá a ver futebol e de repente começou tudo a tremer»

Hassan: «Estava no sofá a ver futebol e de repente começou tudo a tremer»

INTERNACIONAL12.09.202316:16

Hassan Nader, jogador do Benfica e do Farense nos anos 90, relata em A BOLA os dias difíceis de terror que se vivem em Marrocos, seu país natal, na sequência do forte sismo que devastou a região de Marraquexe na noite de sexta-feira, 8 de setembro: «Estamos a viver uma enorme tragédia. Tantas vidas perdidas…»

«Estava no sofá a ver futebol na TV e de repente começou tudo a tremer.» O relato na primeira pessoa é de Hassan Nader, antigo avançado marroquino de Benfica e Farense que se encontrava em Casablanca quando, às 23.11 horas de 8 de setembro, um forte abalo de magnitude 6.8 na escala de Richter assolou Marrocos, com consequências devastadoras.

Hassan estava em casa com a mulher e com um dos dois filhos. E foi aí que um gigantesco medo o assaltou. O outro filho, Mohcine, que joga em Portugal, no Alverca, tinha saído há instantes de junto da família para ir ter com amigos. 

«Como estará ele? Liguei-lhe logo. Ouvir a sua voz foi um alívio que nem sei descrever, tive de sentar-me», conta o antigo jogador, confessando que «foi entre lágrimas e sorrisos» que ouviu: «Pai, estava a conduzir, não senti nada. Um terremoto?» Hassan respondeu-lhe: «Sim, filho, por favor tem cuidado!»

Hassan com a mulher e o filho mais velho, em 1995

As notícias rapidamente correram a um ritmo alucinante e de crescente horror. O epicentro do forte sismo tinha sido na região de Marraquexe, 240 quilómetros a sul de Casablanca, e as imagens de destruição total começavam a invadir os ecrãs de televisão. 

Um amigo meu perdeu mulher, filho, mãe e irmã. Como vai aguentar?

Hassan em entrevista a A BOLA em 1997

«Uma tragédia, uma enorme tragédia. Fui à janela e estava tudo na rua aos gritos, toda a gente muito assustada. Decidi de imediato que tínhamos de sair de casa, ir para longe de edifícios. E pensar que uma hora antes estávamos os quatro num restaurante a jantar tranquilamente… Na rua, começámos a procurar sítios seguros. Muita gente foi para a praia ou para perto de um estádio aqui da zona onde, no exterior, há um enorme descampado», descreve o antigo futebolista, hoje com 58 anos, recordando: «Nessa noite, ninguém dormiu.»

O número de mortos, vítimas do terremoto, aproxima-se, entretanto, dos 3000 e ainda são muitos os desaparecidos. A corrida agora é contra o tempo para encontrar sobreviventes. 

Decidi de imediato que tínhamos de sair de casa, ir para longe de edifícios. E pensar que uma hora antes estávamos os quatro num restaurante a jantar tranquilamente…

«Estão a ser dias difíceis, estamos a viver uma enorme tragédia. É um horror a quantidade de vidas que se perderam. Muita gente. E tantas, tantas, pessoas que ficaram vivas, felizmente, mas que perderam tudo, perderam casas, amigos, familiares. Está a ser muito duro assistir a isto tudo na nossa terra. Ainda estão à procura de pessoas, a tentar salvar pessoas que vivem em zonas mais remotas, em zonas de montanha, onde é muito difícil chegar, o que está a complicar muito o trabalho das equipas de resgaste», relata. 

Hassan faz muitas pausas ao longo da conversa telefónica com A BOLA. Respira fundo, suspira, a voz treme-lhe, ainda é muito difícil percecionar a real dimensão do drama que Marrocos vive desde a passada sexta-feira. E falar dela traz uma imensa dor…

Agradeço muito o carinho que tenho recebido. Portugal faz parte da minha vida, tenho aí amigos que são como família. É a minha segunda casa.

«As aldeias mais próximas de Marraquexe foram completamente devastadas e há muitos estragos, por exemplo, na antiga medina, que é Património Mundial. Aqui em Casablanca, a vida começa a voltar à normalidade, mas só se fala nisto. Nas TV, nas rádios, na internet, só há notícias com o número de mortos a aumentar, as tentativas de socorrer pessoas, as zonas onde ainda não chegaram com assistência», continua Hassan, contando depois o que está a ser feito pela comunidade, e por ele próprio e família, para ajudar nos trabalhos de socorro.

«Felizmente está a chegar ajuda de todo o mundo. Há muitos voluntários aqui, médicos, enfermeiros a querer ajudar, associações a juntar comida e roupa. Em tudo o que neste momento faz falta, estamos a juntar-nos para ajudar. Muita gente foi dar sangue para os feridos, estamos a ajudar com carrinhas e camiões para levar comida e medicamentos. Foram abertas duas contas, uma para Marrocos, outra para o estrangeiro», conta-nos o antigo ponta de lança, que atuou no Benfica entre 1995 e 1997.

Depois, há ainda os trágicos dramas de quem ficou vivo, mas perdeu familiares e amigos no sismo ou nas réplicas que se seguiram. A voz de Hassan fica embargada quando começa a falar do difícil tema.

«A minha cunhada, a mulher do meu irmão, perdeu a avó e o tio e ainda tem familiares presos nos escombros. É tudo muito triste. E as comunicações, para se saber notícias dos entes queridos, estão muito complicadas, não há rede, não há luz em regiões enormes. Um amigo meu perdeu mulher, filho, mãe e irmã. Como vai aguentar? Perderam-se famílias inteiras, esta é uma tragédia que dói muito», expressa, com a alma devastada, mas, ao mesmo tempo, comovido pela solidariedade que tem recebido de vários pontos do globo.

Hassan durante treino do Benfica em 1996 no estádio da Luz

«Quero agradecer muito aos meus amigos portugueses. Recebi centenas de telefonemas e mensagens a saber como estávamos. Ficaram muito tristes e querem saber como ajudar. Agradeço muito o carinho que tenho recebido. Portugal faz parte da minha vida, tenho aí amigos que são como família. É a minha segunda casa. Está a tocar-me muito e também a todos os marroquinos esta enorme onda de solidariedade», disse Hassan, acrescentando: «Obrigado a todos os portugueses. Sei que estão a ajudar e que estão muito preocupados e chocados com o que está a acontecer aqui.»