Hassan: «Estava no sofá a ver futebol e de repente começou tudo a tremer»
Hassan Nader, jogador do Benfica e do Farense nos anos 90, relata em A BOLA os dias difíceis de terror que se vivem em Marrocos, seu país natal, na sequência do forte sismo que devastou a região de Marraquexe na noite de sexta-feira, 8 de setembro: «Estamos a viver uma enorme tragédia. Tantas vidas perdidas…»
«Estava no sofá a ver futebol na TV e de repente começou tudo a tremer.» O relato na primeira pessoa é de Hassan Nader, antigo avançado marroquino de Benfica e Farense que se encontrava em Casablanca quando, às 23.11 horas de 8 de setembro, um forte abalo de magnitude 6.8 na escala de Richter assolou Marrocos, com consequências devastadoras.
Hassan estava em casa com a mulher e com um dos dois filhos. E foi aí que um gigantesco medo o assaltou. O outro filho, Mohcine, que joga em Portugal, no Alverca, tinha saído há instantes de junto da família para ir ter com amigos.
«Como estará ele? Liguei-lhe logo. Ouvir a sua voz foi um alívio que nem sei descrever, tive de sentar-me», conta o antigo jogador, confessando que «foi entre lágrimas e sorrisos» que ouviu: «Pai, estava a conduzir, não senti nada. Um terremoto?» Hassan respondeu-lhe: «Sim, filho, por favor tem cuidado!»
As notícias rapidamente correram a um ritmo alucinante e de crescente horror. O epicentro do forte sismo tinha sido na região de Marraquexe, 240 quilómetros a sul de Casablanca, e as imagens de destruição total começavam a invadir os ecrãs de televisão.
Um amigo meu perdeu mulher, filho, mãe e irmã. Como vai aguentar?
«Uma tragédia, uma enorme tragédia. Fui à janela e estava tudo na rua aos gritos, toda a gente muito assustada. Decidi de imediato que tínhamos de sair de casa, ir para longe de edifícios. E pensar que uma hora antes estávamos os quatro num restaurante a jantar tranquilamente… Na rua, começámos a procurar sítios seguros. Muita gente foi para a praia ou para perto de um estádio aqui da zona onde, no exterior, há um enorme descampado», descreve o antigo futebolista, hoje com 58 anos, recordando: «Nessa noite, ninguém dormiu.»
O número de mortos, vítimas do terremoto, aproxima-se, entretanto, dos 3000 e ainda são muitos os desaparecidos. A corrida agora é contra o tempo para encontrar sobreviventes.
Decidi de imediato que tínhamos de sair de casa, ir para longe de edifícios. E pensar que uma hora antes estávamos os quatro num restaurante a jantar tranquilamente…
«Estão a ser dias difíceis, estamos a viver uma enorme tragédia. É um horror a quantidade de vidas que se perderam. Muita gente. E tantas, tantas, pessoas que ficaram vivas, felizmente, mas que perderam tudo, perderam casas, amigos, familiares. Está a ser muito duro assistir a isto tudo na nossa terra. Ainda estão à procura de pessoas, a tentar salvar pessoas que vivem em zonas mais remotas, em zonas de montanha, onde é muito difícil chegar, o que está a complicar muito o trabalho das equipas de resgaste», relata.
Hassan faz muitas pausas ao longo da conversa telefónica com A BOLA. Respira fundo, suspira, a voz treme-lhe, ainda é muito difícil percecionar a real dimensão do drama que Marrocos vive desde a passada sexta-feira. E falar dela traz uma imensa dor…
Agradeço muito o carinho que tenho recebido. Portugal faz parte da minha vida, tenho aí amigos que são como família. É a minha segunda casa.
«As aldeias mais próximas de Marraquexe foram completamente devastadas e há muitos estragos, por exemplo, na antiga medina, que é Património Mundial. Aqui em Casablanca, a vida começa a voltar à normalidade, mas só se fala nisto. Nas TV, nas rádios, na internet, só há notícias com o número de mortos a aumentar, as tentativas de socorrer pessoas, as zonas onde ainda não chegaram com assistência», continua Hassan, contando depois o que está a ser feito pela comunidade, e por ele próprio e família, para ajudar nos trabalhos de socorro.
«Felizmente está a chegar ajuda de todo o mundo. Há muitos voluntários aqui, médicos, enfermeiros a querer ajudar, associações a juntar comida e roupa. Em tudo o que neste momento faz falta, estamos a juntar-nos para ajudar. Muita gente foi dar sangue para os feridos, estamos a ajudar com carrinhas e camiões para levar comida e medicamentos. Foram abertas duas contas, uma para Marrocos, outra para o estrangeiro», conta-nos o antigo ponta de lança, que atuou no Benfica entre 1995 e 1997.
Depois, há ainda os trágicos dramas de quem ficou vivo, mas perdeu familiares e amigos no sismo ou nas réplicas que se seguiram. A voz de Hassan fica embargada quando começa a falar do difícil tema.
«A minha cunhada, a mulher do meu irmão, perdeu a avó e o tio e ainda tem familiares presos nos escombros. É tudo muito triste. E as comunicações, para se saber notícias dos entes queridos, estão muito complicadas, não há rede, não há luz em regiões enormes. Um amigo meu perdeu mulher, filho, mãe e irmã. Como vai aguentar? Perderam-se famílias inteiras, esta é uma tragédia que dói muito», expressa, com a alma devastada, mas, ao mesmo tempo, comovido pela solidariedade que tem recebido de vários pontos do globo.
«Quero agradecer muito aos meus amigos portugueses. Recebi centenas de telefonemas e mensagens a saber como estávamos. Ficaram muito tristes e querem saber como ajudar. Agradeço muito o carinho que tenho recebido. Portugal faz parte da minha vida, tenho aí amigos que são como família. É a minha segunda casa. Está a tocar-me muito e também a todos os marroquinos esta enorme onda de solidariedade», disse Hassan, acrescentando: «Obrigado a todos os portugueses. Sei que estão a ajudar e que estão muito preocupados e chocados com o que está a acontecer aqui.»