Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA analisou o estado da posição em Portugal e lembrou as dificuldades que os atletas têm de passar para se afirmarem
- Frederico Anjos tem 11 anos e está contigo no Dubai. Não é um pouco cedo mudar assim o contexto familiar, ir para um país completamente diferente?
- Creio que o Frederico não conhece viver noutro lado que não no Dubai.
- É mesmo de lá?
- É português, mas creio que já nasce lá.
- Tinha ideia de que até tinha ido da linha de Cascais, pelo menos foi o que li…
- Nas férias vêm para cá e e acho que o Frederico vai mudar-se para cá em definitivo em agosto de 2025.
- Quando dizes ‘para cá’, estás a falar de…
- Portugal.
- Isso muda aqui um pouco o contexto da minha pergunta, mas, já agora, pergunto: aos 11 anos, consegue-se ver se um guarda-redes vai ser top?
- Não, existe muita dificuldade em percebê-lo, mas há condições para dizer que dentro da idade em que se apresenta já é um valor, ou seja, já é alguém que se distingue na sua categoria, nos sub-12 neste caso. Agora, poder prever o que a sua mente ou as suas capacidades serão em determinado contexto, com 15 ou 16 anos, quando já se começa a fazer triagem mais segura, é mais difícil. No entanto, tem indicadores e, por isso, já se distingue e já se podem prever melhorias em relação ao que apresenta neste momento.
- Deixa-me recuperar a pergunta. Faz sentido, não a nível de país, mas de região, mudar o contexto de um jovem guarda-redes do Norte para o Sul, da província para a capital ou para uma grande cidade?
- Posso dar outra resposta daqui a uns anos, mas hoje acredito que, tanto profissionalmente como individualmente, beneficiam muito da mudança, porque o desconforto traz novas ramificações de pensamento e experiência… Só pode trazer grandes benefícios. Se é ético ou não, já é outra questão, e até vale a pena pensar-se nisso, mas a deteção de talento é a grande subsistência dos grandes clubes. Às vezes, vêm-me perguntar ‘o que é achas? Devo ir para o clube x’, sendo x um bom clube, ou ‘devo procurar entrar já neste clube?’, ao que digo que o que os grandes clubes fazem é recrutar e não formar guarda-redes. Em Portugal, a formação não alimenta os grandes clubes. Temos uma exceção, o Diogo Costa, mas, se recuarmos alguns anos, talvez o último guarda-redes proveniente da formação a alimentar o FC Porto tenha sido o Vítor Baía. E esqueço propositadamente o Bruno Vale, mesmo sendo apologista de que a formação não existe só para criar números 1. É preciso ainda formar o 12 e o 22 ou 23. E ainda estabelecer um ecossistema sustentável para o próprio futebol português, porque também é importante formar quem jogue no Rio Ave, no Felgueiras, na Académica… Lembro-me do Beto, que teve de sair do Sporting para voltar ao Sporting, e do Cláudio Ramos, que passou pelo agora Campeonato de Portugal para chegar à seleção de Portugal e ao FC Porto. Hoje, vemos os grandes clubes a formar guarda-redes que depois desistem da carreira ou acabam a jogar ao nível da Liga 3 e Campeonato de Portugal, o que não me parece positivo para os próprios clubes, porque se o guarda-redes joga o campeonato nacional sub-19 a titular pelo menos uma Segunda Liga num espaço de dois, três anos deveria estar a jogar. Se não joga é porque o trabalho não foi bem feito… O futebol dá espaço para todos, mesmo numa posição em que só um pode ser titular. Voltando à pergunta, conta sempre como experiência e bagagem, apesar da dificuldade que é mudar o centro da vida, perder os amigos, o conforto do lar e até a oportunidade de os pais poderem dar a educação necessária… O jovem precisa de saber o que é ser profissional, mas os grandes mentores nunca deixarão de ser o pai e a mãe. Todas essas condicionantes não me deixam ter uma resposta tão clara à questão.
Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA traçou a evolução da posição e do que tem sido de bem feito um pouco por toda a Europa
- Disseste que os grandes não formam guarda-redes. Isso deve-se a quê?
- Podem ser vários fatores. Até há bem pouco tempo, Portugal estava esquecido da formação de guarda-redes e dos treinadores de guarda-redes. Essa preocupação é relativamente recente, como é no resto do mundo, mas por cá tardou ainda mais. O licenciamento surgiu há coisa de duas temporadas, salvo erro, e mesmo aí houve muita dificuldade. Estamos a ir atrás do tempo perdido. Isto, claro, não impediu Portugal de colocar guarda-redes lá fora. Ainda esta temporada, num campeonato exigente como o espanhol, e com a concorrência de espanhóis com capacidade, colocou o Luís Maximiano e o Rui Silva como titulares em dois clubes. Não há muito tínhamos o Eduardo num clube como o Chelsea, o Beto no Sevilha… O Rui Patrício também joga numa ‘Big Five’ há vários anos, o José Sá também lá chegou. Apesar de não haver um caminho linear e de não virem dos grandes clubes, Portugal foi sempre criando guarda-redes. É verdade que há o Rui Patrício, mas é exceção e não regra. O José Sá também esteve um ano e meio no Benfica e depois no FC Porto, mas poder-se-á dizer que foi formado no Marítimo e desenvolvido no Olympiakos. A federação ou a sociedade dentro do que é o futebol português deveria formar pensadores do treino para podermos ter melhores guarda-redes, à imagem da Suíça, como aqui já se falou…
- Parece muito mais fruto da carolice dos próprios do que propriamente de um projeto…
- Exatamente. Porque as histórias destes guarda-redes com sucesso são muito díspares e enquadram todas uma luta. Uma luta muito mais interna do que com um clube ou um treinador específico…
Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA falou um pouco sobre a baliza de Sporting, Benfica, FC Porto e SC Braga, e analisou ainda a grande temporada de Ricardo Velho
- Há ‘scouting’ de guarda-redes? Ou seja, há nas equipas de ‘scouting’ alguém que saiba ler, interpretar ou observar guarda-redes?
- Sim, os clubes já têm essa designação. No entanto, poucos se dão ao luxo de enviar um scout que ignore os outros 21 em campo. Seria um luxo para a realidade portuguesa. Além disso, continua a ser muito difícil analisar guarda-redes e especialmente projetá-los no futuro. Identificar que num dado momento está no ponto x, que daqui a um ano vai estar no ponto y e em dois no ponto z. É um pouco abstrato e já vem do que a pessoa conhece, do que a pessoa consegue identificar, prever ou até intuir. Podia falar de feeling e, embora pareça um boçal, também é por aí. Os clubes deveriam estar apetrechados com pessoas com capacidade parar analisar e prever onde o guarda-redes pode chegar. Enquadra-se no scouting e na esfera do treinador de guarda-redes… Do John Achterberg, que agora vai deixar o Liverpool ao fim de muitos anos, dizem que estava das 7 da manhã às 21 da noite no escritório a analisar e a ver guarda-redes de todo o mundo. O Liverpool é um clube que faz muito scouting e encontramos várias nacionalidades dos sub-21 para baixo. Foi tendo vários, como o Kamil Grabara, que vai agora para o Wolfsburgo. Há uns tempos tinha um dinamarquês, agora um irlandês que é o número 2 [ndr: Caoimhín Kelleher] … Isto também deve estar nas valências do treinador de guarda-redes, ele próprio tem de ser um analista, puro e duro. Depois tem de prever, às vezes até mesmo para o benefício do jogador, que vai querer saber onde estará em seis meses, por exemplo. Se alguém decide ‘Vamos contratar este guarda-redes, que nos serve a curto prazo, para uma temporada ou duas’, temos de pensar nisto, temos de começar a planear a próxima contratação. Temos de saber, até mesmo para o clube perceber se renova ou não com o futebolista ou se o coloca na lista dos transferíveis.