«Final de loucos em dérbi de Hitchcock», a crónica do Benfica-Sporting
Tengstedt marca o 2-1 ao Sporting (Foto: Atlantico Press/IMAGO)
Foto: IMAGO

«Final de loucos em dérbi de Hitchcock», a crónica do Benfica-Sporting

NACIONAL13.11.202300:11

Benfica regressou - e bem - a uma linha de quatro defesas; Roger Schmidt salvo pelos deuses do futebol; Sporting traído por dentro

Dois golos do Benfica, aos 90+4 e 90+6 minutos, o último dos quais precisou de  tempo e de régua e esquadro do VAR para o validar por quatro minúsculos centímetros, deram a vitória ao Benfica num dérbi digno de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense. Ao mesmo tempo que salvaram Roger Schmidt de uma avassaladora onda de críticas por ter sido tão pouco ativo a decidir mexer na equipa que, a partir dos 50 minutos, passou a jogar em superioridade numérica por uma disparatada imprudência de Gonçalo Inácio, que viu o segundo cartão amarelo num lance em que derrubou Rafa, sem sequer disputar a bola.

O futebol é sempre visto à luz dos resultados. São os resultados que contam, porque deles dependem os pontos que se ganham e se perdem. Mas a verdade é que Roger Schmidt tem de agradecer aos deuses do futebol o capricho que pode sempre decidir um jogo, para mais um jogo com a importância que este dérbi tinha. De facto, aos noventa minutos, mesmo com o Sporting em inferioridade numérica, a equipa de Alvalade merecia a vantagem. Porque tinha sido a equipa mais consistente, mais próxima da coerência de uma ideia precisa de jogo e porque tinha tido em Viktor Gyokeres a diferença, sempre fundamental em futebol, entre um jogador que marca golos e todos os outros que, podendo marcá-los, se ficam pelo quase. Além disso, beneficiando de sucessivos erros de casting de um Benfica que não conseguia tirar partido da vantagem do número de jogadores em campo, o Sporting tinha sabido controlar o jogo e o seu adversário sem sequer passar por especiais momentos de aflição e por uma pressão que se pudesse antever como insustentável.

Surpresa de um Benfica inédito

Não se pode dizer, em boa verdade, que tudo esteve mal nas decisões de Roger Schmidt. Começou, aliás, por estar bem na forma como percebeu que tinha de fazer mudanças, prescindindo da ideia dos três centrais. Jogou com uma linha de quatro, com Aursnes na lateral direita e Morato na esquerda. Isso permitiu-lhe ter João Neves na linha média, o que viria a ser decisivo na equipa e no jogo.

E também esteve bem, embora com injustificável atraso, quando trocou o repousante híbrido que é João Mário pelo entusiasmante e dinamizador Gonçalo Guedes

Entre as duas decisões, hesitações e definições erradas. A troca de Musa por Arthur Cabral não se entendeu à luz da necessidade do Benfica ter mais homens na área, o atraso na troca de João Mário por Guedes poderia ter sido fatal e a insistência na esperança de surgir um momento de génio de Di Maria foi manifestamente exagerada.

Sporting traído por dentro

Muito perto de conseguir o seu grande objetivo de ganhar na Luz e passar para seis pontos a diferença para os seus mais diretos perseguidores, o Sporting viu esfumar-se, em dois letais minutos, um sonho quase realizado. 

É importante, porém, que se diga que a equipa de Rúben Amorim foi, quase sempre, uma equipa personalizada e na qual cada jogador perecebeu exatamente o que tinha para fazer. Até que foi traída — não encontro outro termo — por dentro, quando Gonçalo Inácio foi expluso e obrigou os companheiros a um esforço suplementar que levou ao desgaste e ao esgotamento que seria crucial.

É verdade que o Benfica teve oportunidades de golo na primeira parte. Mais do que o Sporting, mas o golo de Gyokeres, no último lance da primeira parte, veio premiar, em primeiro lugar, um jogador que marca a diferença pelo que joga e pelo que não deixa jogar e em segundo lugar premiava uma equipa de grande maturidade e saber, que apenas teria precisado de outro rigor de Pedro Gonçalves em momentos de conclusão.

No entanto, aquele incrível final de jogo, que deixou em euforia as bancadaas da Luz, determinou a passagem do Benfica para o primeiro lugar do Campeonato e pode vir a alterar, talvez de forma decisiva, o rumo dos acontecimentos. É a imprevisibilidade mágica do futebol e essa não se explica.