«European Leagues é oportunidade que eventualmente não se repetiria»
Pedro Proença

«European Leagues é oportunidade que eventualmente não se repetiria»

NACIONAL02.12.202312:05

Na última quinta-feira o presidente da Liga Portugal foi eleito líder da Associação Europeia de Ligas, ou European Leagues. Horas depois juntou responsáveis editoriais dos três diários desportivos portugueses para uma conversa sobre o cargo, os seus significados e o futuro que antevê. Ficam as ideias de Pedro Proença, 53 anos

- Como surgiu esta possibilidade de presidir à European Leagues? Foi um processo que se arrastou durante várias semanas...

- Houve um vazio durante durante algum tempo, nomeadamente durante os últimos dois anos. Primeiro com a pandemia e depois com o processo pós-pandémico e a saída de Javier Tebas, em março. É natural que sejam as Big Five [ligas de Alemanha, Espanha, França, Itália e Inglaterra] a liderar este tipo de associações, como sucede na ECA [Associação Europeia de Clubes], com o presidente do Paris Saint Germain, Nasser Al-Khelaifi. Dentro do board of directors, do qual a Liga Portugal faz parte há nove anos, não se estava a encontrar alguém que fosse uma figura consensual e tivesse algum background futebolístico, o que era importante para aquele conjunto de pessoas. Alguém que fosse reconhecido entre os pares, nomeadamente nas esferas da UEFA, da FIFA, da própria ECA, da FIFPro. É dentro de uma certa anormalidade de não ser alguém das Big Five que aparece a Liga portuguesa, que não sendo uma das grandes ligas surge com algum destaque entre as médias e pequenas ligas. Direi que houve algum reconhecimento do trabalho que temos desenvolvido desde 2013. Temos uma fábrica de talentos reconhecida e com uma notoriedade um bocadinho transversal. Foi dentro deste enquadramento que me fizeram o convite.

- Ficou desde logo seduzido por esta hipótese?

- Fui apanhado de surpresa. Aceitei em Junho de 2023 recandidatar-me à presidência da Liga, estou pronto para mais quatro anos de mandato. Tinha colocado como condição, para poder aceitar o convite, esta posição ser compatível com a de presidente da Liga Portugal, sobretudo porque temos nos próximos tempos um conjunto de dossiês fundamentais: a questão da centralização dos direitos audiovisuais e a tentativa de redução de custos de contexto que não temos conseguido, nomeadamente junto da tutela, em relação aos impostos pagos por clubes e jogadores. O board aceitou esta condição e surgiu a ratificação, que aconteceu por unanimidade de todas as ligas. Na última Cimeira de Presidentes da Liga escutei os clubes sobre esta temática e todos disseram que, havendo esta oportunidade, era fundamental aproveitar. Acho que isto é um prémio para os clubes do futebol profissional, que têm feito um trabalho absolutamente extraordinário. Somos uma liga forte em termos de exportação de talento, num país com a dimensão e a escala que tem. E isto acontece porque os clubes têm um modelo de negócio assente no scouting, no desenvolvimento do talento nas suas academias e depois, passando por essas fases todas, podem potenciar vendas. Não esqueço igualmente o trabalho que a Federação leva a cabo.

- Quem, no board da European Leagues, o propôs para este cargo?

- Foi o presidente da Liga Italiana quem sugeriu pela primeira vez o meu nome. Depois todas as outras grandes ligas seguiram a ideia, porque perceberam o perfil definido e concordaram.

- Falava há pouco de impostos. Acredita que será possível negociar, no espaço europeu, melhores condições fiscais?

- Falei dos custos de contexto, mas em particular de questões de enquadramento fiscal. E isso, obviamente, é muito rígido, muito local. Ou seja, os enquadramentos fiscais resultam de cada país, dos respetivos orçamentos. Temos lutado, por exemplo, pela possibilidade de deduzir IVA num conjunto de despesas. Passar a haver IVA dedutível, por exemplo, nas viagens das equipas, o que em alguns países acontece e em Portugal não. Quando queremos ser competitivos em termos europeus, devemos ter um quadro fiscal minimamente harmonizado. Temos tentado trazer para Portugal a ideia do direito comparado. Falamos em exigir desempenhos desportivos similares aos das Big Five, muito bem. Além das diferenças de orçamentos, temos a questão da centralização dos direitos televisivos. Em termos fiscais, agora, até no programa Regressar [que prevê benefícios fiscais para futebolistas que já tenham atuado no futebol português e regressem] perdermos regalias. Aqui não se trata de gerar ou reter talento, mas também é importante para fazer regressar talento. Não há sensibilidade por parte da nossa tutela para perceber que não estamos a falar de uma indústria qualquer. Estamos a falar de uma que representa cerca de 0,3% do produto interno bruto, paga mais de 600 milhões de euros de impostos anuais e continua a ser tratada de forma discriminatória. Esta presença da Liga Portugal a nível europeu pode ajudar a fazer perceber que somos muito menos competitivos por causa de questões deste tipo, por não termos um enquadramento fiscal semelhante ao de outros países.

- Outra questão importante é a sobrecarga dos calendários competitivos…

- Temos agora pela frente uma reformulação completa dos calendários, a partir de 2024, que vai retirar espaço competitivo nacional e ficará muito mais preenchido pelas competições internacionais. É um problema de todas as ligas conseguir-se um equilíbrio entre os calendários internacionais e os calendários nacionais. O facto de a European Leagues ter assento no Comité Executivo da UEFA [ver caixa] é importante neste sentido. Não há competições internacionais se não houver ligas domésticas fortes. Esta é uma luta que está no nosso caderno de encargos.

- Qual é a posição da European Leagues sobre a ideia de Superliga que recorrentemente é apresentada por alguns clubes europeus?

- Estaremos sempre contra essa Superliga, porque o futebol não pode ser de elite. Se não percebermos que quem alimenta as competições internacionais são as ligas nacionais e locais, se de repente deixarmos que essa pequenina elite viva com uma distribuição de riqueza apenas alocada a si própria, o que é que vai acontecer? A nossa luta será sempre de oposição a estas superligas. Não é possível deixar que um pequeno conjunto de clubes receba 50 ou 60 por cento da riqueza produzida pelas competições internacionais e deixe à margem os outros clubes. Se não teremos, como no futebol americano, uma liga fechada onde só existem 16 ou 18 clubes. E o grande sucesso do futebol europeu é precisamente a possibilidade de promoção e despromoção. Abdicar deste princípio, que é um princípio desportivo, é fechar as competições, e isso seria extremamente danoso para as médias e pequenas ligas.

- Perante os novos desafios não é demasiado ambicioso garantir que vai continuar a conseguir dar a mesma atenção ao futebol português?

- Quando cheguei à Liga o quadro era composto por 23 pessoas. Hoje somos quase 150. Felizmente a Liga, passados nove anos, conseguiu criar condições de sustentabilidade e hoje está organizada num ecossistema absolutamente empresarial. Temos cinco sociedades, cada uma trata das suas unidades de negócio e, portanto, temos uma dimensão e uma capacidade que permite à direção executiva, e ao seu presidente, não diria que estar mais descansado, mas pelo menos mais liberto para poder agarrar outro tipo de desafios. Trata-se de uma oportunidade que eventualmente não se repetiria. Era preciso aproveitá-la, até pela notoriedade de termos a Liga Portugal a liderar uma organização com os parceiros europeus. Creio que isto só pode beneficiar os nossos 34 clubes.

- Quais são as áreas efetivas de intervenção da European Leagues? Onde é que pode, de facto, ajudar a determinar o futuro do futebol?

- Dentro da estrutura da FIFA e da UEFA existe um conjunto de stakeholders, onde se incluem a European Leagues, a ECA, a FIFPro, que defendem os interesses organizados das ligas, dos clubes e dos jogadores. Dentro dos fóruns a que temos acesso e no próprio Comité Executivo da UEFA, onde temos assento e do qual faremos formalmente parte, defendemos os interesses dos nossos filiados. Isto de uma forma orgânica. Depois há o caderno de encargos de que já falámos: possibilidade de propor e votar questões relacionadas com os quadros competitivos, discutir a forma de distribuição dos prémios da UEFA, dos direitos televisivos. Teremos uma voz ativa quando se discutirem temas que mexam com a vida das ligas nacionais.

- Qual é a sua perspetiva em relação aos fenómenos de ligas emergentes que estão a ameaçar a competitividade das ligas europeias? Estamos a falar claramente da Arábia Saudita, mas a Qatar Stars League e outras ligas poderão seguir o mesmo caminho.

- Ainda não percebemos de forma profunda o mercado da Arábia Saudita. Em Portugal temos um modelo de negócio absolutamente definido, somos uma liga criadora de talento, desenvolvemos talento e depois somos alimentadores das ligas mais importantes. O mercado pode ser o europeu das Big Five, ou como foi, há um tempo, o mercado chinês e agora é o mercado da Arábia. Durante algum tempo também foi o da Rússia. Para nós, sendo um mercado alimentador e exportador, está tudo bem desde que as coisas sejam reguladas e não exista o denominado doping financeiro. Não nos opomos minimamente a ter boas relações com esses mercados, até porque amanhã, eventualmente, ninguém ficaria espantado se uma competição da Liga Portugal pudesse ser disputada num desses mercados. O nosso projeto também visa a internacionalização. Vivemos num mercado global e, portanto, as coisas acontecerão naturalmente.