ESPANHA-INGLATERRA, 2-1 Espanha coroada com título que assenta como uma luva

Novos reis da Europa, com quatro títulos, deixando para trás a Alemanha. O dia começou bem para 'nuestros hermanos', com Alcaráz a vencer Wimbledon, e acabou ainda melhor

Em 17 Campeonatos da Europa, a Espanha ganhou quatro (novo recorde, deixando para trás a Alemanha, que tem três triunfos), e apenas um, o primeiro, jogou em solo pátrio. Em 1964, derrotando na final a URSS em Madrid, fez a felicidade do generalíssimo Franco; a segunda ronda de sucessos já foi vivida em democracia, no reinado de Juan Carlos I, que festejou os Europeus da Suíça/Áustria, em 2008, e da Polónia/Ucrânia, em 2012. Agora foi a vez de Filipe VI, presente no camarote de honra do Estádio Olímpico de Berlim, mais ou menos no sítio onde Hitler engoliu a humilhação de Jesse Owens em 1936, festejar e cantar y viva España, com o golo do basco Mikel Oyarzabal, quando já se pensava em mais um prolongamento.

Quando duas grandes equipas se batem e dão tudo o que têm e uma delas cai à beira do fim, normalmente fica no ar uma sensação de pena relativamente à outra, mesmo sabendo que só há uma Taça. Desta feita, isso não aconteceu. Por mais que a Inglaterra se tenha dado ao jogo, a verdade é que o futebol espanhol foi sempre mais luminoso, e quem passou por mais apuros foi Jordan Pickford, perante a irreverência de nuestros hermanos, que se apresentaram na Alemanha com mescla de veterania, experiência e juventude muito interessante.

Se, por obra do destino, a equipa de Gary Southgate tivesse ganho esta final, teria sido caso para dizer que tinham sido onze contra onze e no fim tinham ganho os ingleses, porque o perfume do futebol saiu sobretudo das botas espanholas.

Nasceu uma estrela

Lamine Yamal, 17 anos feitos no sábado, foi a estrela da competição. Marcou um golo galático à França, fez gato sapato de muito boa gente, nunca se furtou ao trabalho, com um misto de inconsciência e humildade que se via no Pelé de 1958, quando Feola queria jogar à europeia e o guri apostava na ginga, e revelou um à vontade e uma desinibição que irão fazer dele a grande estrela da próxima década e meia. Provavelmente Messi deu-lhe banho em água benta, porque ficou tocado por uma inspiração celestial que o futebol e quem dele gosta agradece. Mas a Espanha não foi só Yamal. Nico Williams, um puro sangue que encara os adversários com uma alegria selvagem que os intimida, é o contraponto perfeito, apoiado pela geometria de Fabián Ruíz, pela finesse de Dani Olmo e pela pendularidade de Rodri. Talvez, quando comparada com outras equipas de qualidade, como a França, a Inglaterra ou Portugal, o que mais distinguisse a Espanha fosse a alegria com que encarava os jogos, nunca como uma obrigação, sempre como uma devoção. Por isso, sobretudo por isso, é que este título, mesmo não tendo atingido a nota artística de 2012 — a melhor de todas as Espanhas —, lhe assenta como uma luva.

O dia tinha começado bem para os espanhóis, em Inglaterra, com Carlos Alcaráz a impor-se categoricamente a Novak Djokovic em Wimbledon por 3-0, e acabou ainda melhor, com La Roja a tomar Berlim («first we take Wimbledon, then we take Berlin», como diria Leonard Cohen) e a levar a festa da Castelhana à Diagonal.

Portugal e os detalhes

A Seleção Nacional estava no lote de potenciais vencedores e, sem encantar, acabou por ser por um detalhe que chegou aos quartos de final e acabou por ser por outro detalhe que daí não passou. Pode falar-se em fracasso? Provavelmente não, mas que soube a pouco, até em termos exibicionais, soube, ficando a sensação que o lote de jogadores à disposição de Roberto Martínez não foi devidamente aproveitado.

Deste Europeu resultaram questões que devem ser discutidas de forma adulta e séria, porque delas depende o futuro de uma equipa que deve ombrear com as melhores do mundo e, para isso, precisa de apresentar os seus melhores trunfos. Para já, Portugal foi à Alemanha e regressou com um Suficiente, quando o conjunto dos seus jogadores justificava uma nota melhor. 

Um bom Europeu

Há quem defenda que a fase final do Campeonato da Europa não devia ter tantos apurados, e que isso degrada a qualidade. Essa crítica é também transposta para a fase final do Mundial, que passará, a partir de 2026, a ter 48 participantes. A verdade é que, fora uma ou outra exceção, que mais não fez do que confirmar a regra, as equipas presentes no Euro-24 apresentaram-se organizadas e bem preparadas, proporcionando duelos equilibrados e difíceis, com algumas surpresas de permeio, nomeadamente a derrota de Portugal frente à Geórgia.

Com a globalização nascida da lei Bosman, o nivelamento das seleções passou a ser muito maior e a tendência continua a aprofundar-se. É bom lembrar as discussões tidas quando as primeiras equipas africanas e centro-americanas passaram a participar nos Campeonatos do Mundo e o que desde então evoluíram.

Outra questão, de ordem diferente, é o número de jogos nas pernas com que os futebolistas dos principais clubes se apresentam para disputar a fase final do Campeonato da Europa. Na final de Berlim estiveram Carvajal e Bellingham (além de Nacho e Joselu, no banco) que disputaram a final da Champions, o que deverá merecer um debate sério, mais a mais quando se vai falando na possibilidade de um Mundial de clubes a realizar, em 2025, sob a égide da FIFA, nos Estados Unidos.