Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA traçou a evolução da posição e do que tem sido de bem feito um pouco por toda a Europa
- Há uma ‘escola de guarda-redes’? Por exemplo, uma ‘escola soviética’, uma ‘escola alemã? Ou é apenas algo que está nas nossas cabeças?
- O fenómeno da imitação é muito comum no ser humano. Por vezes, fazemos coisas sem saber porquê só porque vemos outros fazerem-nas. Assim, cada região acaba por ter um molde e seguir determinadas diretrizes quase instantaneamente, criando esse tipo de padrões. Padrões de que, se me perguntares, não sou defensor. Para mim, cada pessoa deve ter o seu método, ser autocrítico e percorrer o caminho pelo próprio pé. É bom ir buscar ideias aqui e ali, mas depois é necessário traçar um rumo próprio. A questão das escolas também traz algo bom, desde logo uma base, porém depois cada treinador de guarda-redes deve usar o seu cunho. Penso de forma diferente da pessoa que está ao meu lado e essa pensa também diferente da que está ao seu lado. Para mim, há este paradoxo: sim, deve existir a escola, mas depois temos de elevá-la a outro nível, com outros métodos e ideias diferentes. Hoje, existem padrões claros. Agora, temos o da escola suíça, que apresenta grandes princípios. Aliás, os dois guarda-redes com melhor performance este ano são suíços, o Yann Sommer e o Kobel. E se formos ver sub-15 e sub-16 suíços, todos têm indicadores de potencial e de qualidade porque está a ser feito um bom trabalho. A seleção da Bélgica é outra, a um nível um pouco mais baixo.
- Essa ‘escola suíça’ resultou de algum projeto federativo específico?
- Posso estar a dizer uma barbaridade, mas existe um nome muito forte na estrutura federativa, o Patrick Foletti, e sei que há grandes princípios, que depois são entranhados nos clubes. A federação suíça preocupa-se em formar treinadores de guarda-redes e guarda-redes, e isso terá partido dessa pessoa. Posso estar a ser injusto se for outro o autor do projeto, mas esse é o grande nome que vislumbro na estrutura. Depois, ter-se-á ramificado, ao ponto de existirem registos e acompanhamento de guarda-redes de 14, 15 anos, algo não muito usual noutras federações. Isto cria um método e desenvolvimento individual, e o guarda-redes suíço chega aos 18, 19 anos no máximo potencial. O problema surge depois, já que não é explorado por não haver ritmo competitivo. Jogar a primeira ou segunda liga suíças não é suficiente para depois entrar nas principais ligas.
- Até o Dortmund em 2020/21 tinha três guarda-redes suíços e apenas um jovem alemão de 21 anos…
- A escola suíça também bebe um pouco da alemã. Os padrões de abordagemsão um pouco idênticos aos alemães. O guarda-redes suíço é mais apto para o futebol global ou moderno do que o alemão na forma de treinar ou da ‘escola’, mas sim, é o passo certo. Saltar da liga suíça para a alemã faz sentido.
- Vês alguma ‘escola portuguesa’… ou perfil de guarda-redes português?
- Creio que não existe e, lá está, ainda bem. Não vale a pena estarmos a moldá-los. Devemos dar-lhes uma base e o treinador de guarda-redes deve ter uma metodologia, sabendo analisar o que tem de trabalhar, o que é uma grande lacuna que temos. Não existe atualmente um padrão português, tanto é que hoje temos três guarda-redes diferentes na Seleção. O José Sá assemelha-se mais ao Rui Patrício, mas o Diogo Costa é completamente díspar. Dos mais recentes, talvez se assemelhe um pouco ao Beto, porque este era mais global, mas se formos ver o Rui Patrício, o Eduardo, o Quim… e vou também ao Daniel Fernandes, porque foi ao Mundial 2010… são mais de defesa da baliza do que este novo tipo, homogéneo em todos os momentos de jogo, e que abrange mais do que a pequena área e até do que a grande área.
Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA falou um pouco sobre a baliza de Sporting, Benfica, FC Porto e SC Braga, e analisou ainda a grande temporada de Ricardo Velho
- Mas o Diogo Costa pode ser o molde para guarda-redes futuros…
- Sim, é um guarda-redes apto para o futebol moderno, que pode jogar em qualquer liga. Tanto se adapta a jogar mais fora da baliza como mais entre os postes, tanto fora da área como mais dentro da área, e isso é uma grande valência. Ao se formar um guarda-redes moderno, ele tanto saberá jogar em bloco baixo, médio ou alto, e o mesmo não se passa quando é ao contrário.
- Os guarda-redes têm ganho metros ao longo dos últimos anos. Onde é que os vês daqui a dez anos? A jogar no meio-campo?
- O guarda-redes acompanha os tempos. Claro que é uma posição em que são necessárias algumas capacidades morfológicas, com as quais concordo, desde que não subtraiam outras coisas. Vemos que os de maior dimensão não têm as valências de outros com menos centímetros. Às vezes, também dizemos que é alto e é bom no jogo aéreo, o que é uma falácia, porque pode não saltar tanto, não ter o timing, a leitura, a impulsão ou a mentalidade certa para abordar estes lances… Nunca é estanque. Agora, o guarda-redes está sempre em evolução. A história do futebol mostra-o. Os últimos anos têm mostrado que tem de ser também jogador… O futuro continua a ser alguém com grandes valências na defesa da baliza e depois vem o restante: muito bom no jogo com os pés, no jogo aéreo e na saída a cruzamentos, na leitura de jogo e nas ações como último jogador.
Roberto Rivelino é analista e treinador de guarda-redes. Em entrevista a A BOLA analisou o estado da posição em Portugal e lembrou as dificuldades que os atletas têm de passar para se afirmarem
- Deixa-me ir agora para outro significado da palavra ‘escola’ em termos futebolísticos. Muitas vezes, ouve-se dizer que um guarda-redes não tem escola. O que é que um treinador de guarda-redes pode fazer quando isso não existe?
- Analisar as lacunas, identificar onde pode melhorar tanto técnica como taticamente. Claro que um guarda-redes com grandes valências técnicas está muito mais próximo de acertar, de ter ações corretas, do que um sem técnica, mas a escola não é só isso, é também o conjunto dos princípios táticos, a forma como lê e interpreta o jogo e o seu conhecimento do mesmo. Depois de identificar os problemas, o treinador deve apostar na repetição. Ou seja, criar exercícios e um microciclo que seja propício a incrementar que lhe falta. Creio que, a partir de um certo ponto, existe a impossibilidade de melhorar o guarda-redes, tal como acontece com o jogador comum. No entanto, como é uma área mais específica, há mais possibilidades de se conseguirem melhorias, identificando o potencial do atleta.
- Numa entrevista, o Rui Barbosa, então treinador de guarda-redes do Wolverhampton, falou-me da forma como Rui Patrício se tinha protegido dos cruzamentos em Inglaterra. Disse-me que a equipa técnica tinha concluído que era melhor protegê-lo, deixando que o ataque à bola fosse mais feito pelos defesas e ele ficasse um pouco mais na baliza. É a forma correta de abordar a lacuna ou, pelo contrário, deves expô-la nos treinos a fim de que possa responder melhor?
- É uma boa questão. O guarda-redes nunca pode ser uma ilha. No máximo, seria uma península. Tem de estar sempre em simbiose com o resto da equipa, tal como o treino do guarda-redes e o seu treinador não se podem alhear do que se passa à sua volta. O guarda-redes deve influir muito na tática. Devemos pensar o que o guarda-redes pode dar à equipa e, ao mesmo tempo, o que eu, enquanto seu treinador, lhe posso dar a ele. Depois, a equipa técnica e o coletivo vão dizer o que podemos fazer com este guarda-redes. Conseguimos melhorá-lo em dois meses para jogar de uma certa forma? Se sim, vamos lá. Não conseguimos, é impossível, mas tem outras valências e pode valer-nos muitos pontos se fizermos isto? Ok, muito bem. Mas há aí um ponto em que concordo, que é achar que o guarda-redes deve estar exposto ao desconforto, porque, como a qualquer ser humano, traz mais coisas positivas do que negativas. Entra aqui este equilíbrio: será que chega ao nível que pretendemos ou ao que pretendemos colocar na equipa? Contudo, sim, o guarda-redes nunca pode ficar à parte, e se o coletivo deve proteger o guarda-redes este também tem de dar ao coletivo na mesma medida.