A BOLA NO EURO Entre sardinhas e baclavas só o português tem a perder
A história de Carlos e Nuran Leal, casal luso-turco que vive na Alemanha; ele é ex-diretor desportivo, ela arquiteta que já viveu em Lisboa; filho torce pelas duas equipas
Estão juntos há 30 anos na Alemanha e pela primeira vez os países onde ambos nasceram defrontam-se em território germânico. Carlos Leal fará anos no dia do jogo e estará separado de Nuran Leal e do filho, Luís. Ele, em trabalho com a cadeia de televisão ZDF em Mainz, ela em casa, em Bielefeld, à distância de 300 quilómetros. Ainda assim conseguimos juntá-los nesta história. «Vais ter aí uma equipa de repórteres à porta», avisou, quase em cima da hora. «Só assim é que dava, sem haver tempo para preparação», contou-nos Carlos no dia seguinte, sorridente, numa conversa junto ao Reno.
A arquiteta que aos dois anos veio para a Alemanha apaixonou-se por um português, estudou um ano em Lisboa, em 1999, e mais tarde passou seis meses num apartamento no Príncipe Real, já com o filho, enquanto Carlos Leal trabalhava na Alemanha como dirigente. Esta é a explicação para conseguir ter um domínio do léxico e gramática da língua de Camões. «Nós falamos em alemão em casa e a Nuran só fala com o nosso filho em turco quando está chateada.»
«Eu já me sinto um terço portuguesa. Fiquei orgulhosa por saber que José Mourinho ia treinar um clube em Istambul [Fenerbahçe]. A prenda que recebi foi aprender a língua, o que é a chave para conhecer a cultura portuguesa. O que eu adoro em Portugal é a mistura de vários ambientes», revela.
Mas o futebol não é uma paixão de Nuran. «Quando estamos em Portugal aproveito para ir ver alguns jogos, enquanto ela vai a museus», diz Carlos Leal. «Numa vez estávamos no Porto num jogo muito importante do qual não me recordo. Estávamos no lounge VIP [do Estádio do Dragão], mas saí para visitar a Casa da Música. A não ser nestes jogos de Europeus ou Mundiais, não consigo ficar uma hora e meia a ver futebol.»
Luís, o filho, vai assistindo e ouvindo. Ele percebe, mas fala português com dificuldade, embora bastem dois dias em Sortelha, no município do Sabugal, terra da avó, para soltar tudo o que sabe. O boné de Portugal e o autocolante de Cristiano Ronaldo denunciam a simpatia pela Seleção, mas o coração está dividido: «Quero um empate. Quero que fiquem nos dois primeiros lugares para passar o grupo.»
As culturas de ambos os países estão «muito marcadas nos corações» de ambos, mas os costumes alemães têm prevalência no dia a dia. O casal não tem por hábito cozinhar pratos portugueses ou turcos. O bacalhau a começar e uma baclava a terminar. «Somos especialistas, sim, de ir comer fora, e sempre tivemos a sorte de existirem as duas opções nos locais onde vivemos», afirma Carlos Leal. «O meu pai só cozinha no Natal. Faz o bacalhau, de que gosto muito, tal como as sardinhas, que são deliciosas», revela Luís Leal, segurando um exemplar do peixe mais famoso da costa lusa que a mãe trouxe de casa, tal como um galo de Barcelos que encontrou em Istambul, além de um livro de Fernando Pessoa. E da bandeira da Turquia.
«Ela teve uma experiência que eu nunca tive, que foi viver em Lisboa. Eu saí de Portugal aos seis anos, de Sortelha, e nunca conheci uma escola portuguesa, os meus estudos foram todos na Alemanha». Mas Carlos Leal diz ainda assim que «Lisboa e Istambul são, para nós, as cidades mais bonitas do mundo».
Respeito por Portugal
O analista e ex-diretor desportivo de Wolfsburgo, 1860 Munique e Arminia Bielefeld espera que o jogo traga «muita emoção» e adivinha dificuldades à formação das quinas. «A Turquia não está habituada a ir regularmente aos mundiais e europeus e por isso vai apresentar uma intensidade enorme, vai ter um grau de emoção muito alto, de atuar como uma unidade. Mas não só: também tem uma geração de jogadores com um belíssimo futuro à frente deles, como Arda Guller», antecipa Carlos Leal.
«A seleção portuguesa tem um grande estatuto para eles, não só por causa do Ronaldo. Os turcos sabem exatamente avaliar o valor imenso que tem o plantel português, não só a primeira equipa, mas os jogadores que estão no banco e os jogadores que não vieram à Alemanha», descreve, considerando que o grupo dirigido por Roberto Martínez, a par do francês, «são os melhores do Euro».
Quanto ao ambiente, é esperado um estádio «inflamado», com maioria turca nas bancadas em Dortmund. «Isso vai acrescentar um grau da emoção maior, mas eu penso que os portugueses também estão habituados a isso, já viveram grandes jogos e basta pensar na final em França, em Paris [Euro 2016], e foi um grande obstáculo que conseguiram ultrapassar.» Seja como for, o analista antecipa um «ambiente muito positivo». «São dois povos muito à vontade, pacíficos, com grande respeito pelas outras pessoas.»
Desta vez não haverá o «chato» a ver jogos. «Quando está em casa ele é muito emocional», revela Nuran, que também consegue dar um grito se vir a bola entrar na baliza. Desde que seja num grande evento como o desta sábado. Caso contrário, será mais fácil encontrar Carlos Leal a analisar um jogo em Braga e Nuran a contemplar a «obra de Souto de Moura».
Cada um com a sua paixão, mas em comum o amor pelos dois países, embora só Carlos tenha a perder: ao contrário da mulher e do filho, o coração não está dividido.
«A IMAGEM NÃO É O PONTO FORTE DE SCHMIDT NEM ELE QUER QUE SEJA»
Carlos Leal tem acompanhado o trabalho de Roger Schmidt com atenção e faz elogios ao treinador do Benfica, embora ressalve que há um lado que descura por vontade própria. A promoção da empatia. «Ele nunca teve essa imagem positiva de ser adorado ou querido [na Alemanha], sejam os media, sejam os adeptos. Porque a imagem que ele tem em público não é o forte dele e penso que nem ele foca-se mais nos deveres prioritários que tem um treinador. É o extremo oposto de Jurgen Klopp, por exemplo, alguém que trabalha muito a empatia com jogadores, media e público em geral, vende-se, entre aspas, muito bem», afirma o antigo diretor desportivo de vários clubes germânicos.
O nome do técnico esteve em cima da mesa do Bayern por causa de um fator decisivo: o idioma. «Os clubes alemães procuram sempre o treinador que fale o alemão, mesmo que depois no dia a dia a treinar ele é obrigado a falar inglês, por causa dos jogadores, mas exige-se sempre esse elemento. As opções desse nível estavam a esgotar-se e automaticamente tinha uma certa lógica de falar a Roger Schmidt», justifica, acreditando que o terceiro ano do germânico na Luz vai correr melhor que o segundo: «A qualidade do trabalho dele está lá e acho que agora é preciso de facto então tomar as decisões certas em relação a novos jogadores, em relação a compras, em relação a vendas. Mas eu penso que o Sporting parte com um certo avanço em relação à próxima época e não vai ser fácil recuperar novamente essa distância.»
«GOSENS NÃO TEM O NÍVEL TÉCNICO DE GRIMALDO»
Robin Gonsens é uma «opção válida» para o Benfica mas não tem o perfil do espanhol que tantas saudades deixou na Luz. «É algo que tem de ser avaliado na relação preço/desmpenho, mas é um jogador que, neste momento, podia ajudar o Benfica. Tem uma certa raça, mas não tem o nível técnico de Grimaldo. Não tem o perfil que normalmente os clubes do Sul da Europa procuram, mas acho que é importante haver uma mistura de culturas, veja-se o sucesso do Sporting com jogadores do Norte da Europa, como Hjulmand e Gyokeres».
Carlos Leal sabe do que fala. É neste momento o responsável pela área do futebol de um grupo de investidores de clubes alemães que estudam a aquisição de clubes na Áustria mas também em Portugal, um mercado «muito interessante».