ENTREVISTA «Em Moçambique todos os dias nascem Eusébios»
Chiquinho Conde, selecionador de Moçambique, concedeu uma grande entrevista a A BOLA. Com uma carreira bem sucedida como jogador em Portugal, com destaque para Belenenses, SC Braga, Vitória de Setúbal e Sporting, Chiquinho Conde apela aos clubes portugueses, através de A BOLA, que olhem para os clubes e jogadores moçambicanos...
- O Chiquinho Conde é considerado um dos melhores jogadores da história do Moçambique independente. No tempo colonial, basta falar em Eusébio e Coluna para atestarmos o talento moçambicano. Esse talento desapareceu?
- Em Moçambique, todos os dias nascem Eusébios, Colunas, Matateus… Chiquinhos Condes nem se fala, é as catadupas… O que falta? Apostar na formação e criar condições e infraestruturas. Por isso, deixo o meu repto às grandes equipas portuguesas para ajudarem, até na reabilitação de infraestruturas, até porque há ligações históricas e afetivas. Por exemplo entre o Maxaquene e o Sporting, entre outras. Poderíamos ter muitos mais jogadores nos melhores campeonatos, desde logo em Portugal…
- O Chiquinho Conde foi o primeiro jogador no pós independência a receber uma autorização especial para jogar fora de Moçambique…
- … Em 1986 o Benfica viu-me jogar e queria levar-me, mas, por lei, não podia sair No ano seguinte o Belenenses foi a Moçambique jogar com o Maxaquene. Perdemos 3-1, mas marquei o golo do Maxaquene e o Belenenses também gostou tanto de mim que me quis levar logo… O presidente Samara Machel morre em Outubro, entra Joaquim Chissano e a as normas mudam e torna-se possível a minha ida para Portugal.
- E assinou pelo Belenenses…
- Como poderia ter assinado pelo Benfica… É uma história engraçada, já que quando chego a Lisboa não sabia se iria assinar por Benfica ou Belenenses. Os principais elementos da Direção do Benfica estavam em digressão com a equipa pelas Américas, incumbiu João Rodrigues de negociar. Fui almoçar com representantes do Benfica e dizia que queria mesmo jogar no Benfica, jantei com dirigentes do Belenenses e disse que queria muito era o Beleneneses… Eu queria era jogar em Portugal… [risos]. Dias depois foram duas delegações, uma do Benfica e outra do Belenenses, no mesmo avião, a Maputo, para negociar com o Maxaquene… O Belenenses venceu o braço de ferro porque aceitou para 120 mil dólares pelo meu passe, o que em 1987 era uma pequena fortuna… E estou grato ao Belenenses, onde tive a felicidade de vencer uma Taça de Portugal. Tenho-o acompanhado sempre, sei que está bem na Liga 3, que volte rápido à Primeira Divisão.
- Outro clube onde deixou mais marca, tanto que o representou em três ocasiões diferentes, foi no Vitória de Setúbal.
- Cheguei ao clube na II Divisão e não conhecia nada. Mas gostava porque tinha o equipamento igual ao clube da minha cidade, o Ferroviário da Beira, e a cidade tem muitos pontos em comum com a Beira. Foi amor à primeira vista. E tive o privilégio de fazer dupla no ataque com o enorme Rashidi Yekini. Já no campeonato nacional, ele marcou 21 golos e eu 15… uma dupla terrível. Adoro o clube, a cidade, estarei sempre grato. Tão grato que podia ter saído a custo zero para o Sporting. Avisei o Vitória que o Sporting me queria e renovei para que o clube pudesse ganhar algum dinheiro, na altura o equivalente a 400 mil euros. Hoje lamento a queda que o clube sofreu, que volte rápido…
- Chegar ao Sporting o que representou para si?
- Foi o ponto mais alto da minha carreira. E o atingir de um sonho, já que desde criança que eu era adepto do Sporting. Na Beira, havia uma casa chamada Moreira & Silva cujo dono era um fervoroso sportinguista. E espalhava nas paredes fotografias de equipas e jogadores do Sporting. Impecavelmente vestidos, com poses imponentes. Eu olhava para as fotografias e, maravilhado, dizia a mim mesmo: um dia vais jogar no Sporting… Mais de duas décadas depois, com 29 anos, cumpri o sonho…
- Ao lado de grandes jogadores…
- Nem me fale… Luis Figo, Balakov, Iornanov, Juskowiak, Sá Pinto, Capucho, Marco Aurélio, Naybet… Tantos… Diverti-me muito, mas podia ter-me divertido mais… Chegou o Amunike, havia ainda limitações de estrangeiros e não joguei tanto como gostaria. Mas cumpri o sonho, ganhei mais uma Taça de Portugal, foi o ponto mais alto na carreira.
- Muitos se perguntam como esse Sporting não chegou a ser campeão...
- Eram os tempos do grande FC Porto e em que tinhamos de lidar com algumas... vicissitudes.