Do padrinho ao ‘acelera’, do BI ao cartão de crédito: o incrível mundo de André Villas-Boas
André Villas-Boas (foto FC Porto)

Do padrinho ao ‘acelera’, do BI ao cartão de crédito: o incrível mundo de André Villas-Boas

NACIONAL11.05.202408:00

Antigos jogadores da Académica lembram o homem antes do técnico; histórias (e estórias) contadas na primeira pessoa a A BOLA; a certeza dos dirigentes da Briosa de que há 15 anos estavam a contratar um enorme treinador

Foi no Dragão que tudo começou, mas… do outro lado da barricada. A 25 de outubro de 2009, pouco mais de uma semana depois de ter completado 32 anos de idade, André Villas-Boas estreava-se como treinador principal e logo na elite nacional. O palco? Estádio do Dragão (há curiosidades e curiosidades…).

Os primeiros passos do técnico ao serviço da Académica, já lá vão quase 15 anos

Jogava-se, então, a 8.ª jornada da Liga 2009/2010 e AVB treinava a Académica. Os dragões, orientados por Jesualdo Ferreira, venceram essa partida – 3-2, com golos de Mariano González e dois de Ernesto Farías (Miguel Pedro e Sougou apontaram os tentos da Briosa) -, mas os estudantes deixaram uma imagem extremamente positiva e saltou desde logo à vista algo de diferente num jovem técnico que estava a começar a carreira. E que chegaria… ao topo europeu.

Mas a marca de AVB não surpreendeu quem nele tinha apostado. Luís Agostinho, à época diretor desportivo da Académica, recorda a sua contratação. «O Carlos Gonçalves, uns tempos antes do André Villas-Boas ir para a Académica, tinha-me dito que ele estava disponível para ser treinador principal. Eu já tinha informações sobre ele, dos tempos em que era adjunto do José Mourinho no FC Porto, e quando o Rogério Gonçalves saiu eu apresentei o nome à Direção. Eles aceitaram e no dia seguinte ele estava em Coimbra para reunirmos. O acordo foi fácil. Foi a Milão [n.d.r.: era adjunto de José Mourinho no Inter] para tratar das coisas dele e regressou definitivamente a Coimbra para assinar e para começar a trabalhar. Lembro-me bem do que se dizia na cidade, assumo que foi uma escolha arriscada, mas na Académica, logo na primeira reunião, ficámos com a certeza de que era a pessoa certa. Algo que veio a comprovar-se», conta o dirigente a A BOLA.

Os primeiros passos junto ao Mondego não deixaram margem para dúvidas: «Foi o que esperava dele. Um grande profissional, um treinador com uma ideia de jogo atrativa e com um modelo e treino fantástico para operacionalizar essa mesma ideia. Além de uma liderança muito próxima dos jogadores. Não me surpreendeu em nada. Era um treinador muito acima da média.»

Luís Agostinho era o diretor desportivo da Académica aquando da chegada de AVB a Coimbra

AVB: PADRINHO E… ‘ACELERA’

E se a ideia plasmada pelo antigo diretor desportivo carecia de algum tipo de comprovativo, então nada melhor do que os relatos de alguns dos antigos jogadores de AVB. Que reforçam o desígnio de um técnico que primava pela humanidade e cujas histórias infindáveis davam para escrever um livro. Um autêntico manual de como o relacionamento pessoal pode ser decisivo no desempenho das tarefas profissionais.

«Em novembro de 2009, a minha mulher estava grávida de oito meses, de gémeos, e perdemos os bebés. A tragédia bateu-nos à porta. O mister André fez de tudo junto dos médicos do hospital onde a minha mulher esteve internada, no Porto, mas não foi possível reverter a situação. Depois disso, disse-me para eu ficar ao pé dela o tempo que fosse preciso até recuperarmos. Não quis que eu fosse treinar. Ligava-me a toda a hora e quase todos os dias ia visitar a minha mulher ao hospital», recorda Miguel Pedro. O antigo extremo, hoje coordenador e treinador dos sub-16 do Maia Lidador (AF Porto), não mais esqueceu esses momentos e, dois anos mais tarde, homenageou AVB: «Quando a minha mulher voltou a engravidar, estava eu a jogar no Anorthosis Famagusta, de Chipre, fizemos questão de convidá-lo para padrinho de batismo da nossa filha. Aceitou de imediato e é o padrinho da Vitória, que tem atualmente 13 anos.»

Miguel Pedro (à direita) persegue Fredy Guarín (à esquerda) num FC Porto-Académica

A conversa com Miguel Pedro tinha contornos pesarosos, mas rapidamente o antigo extremo recordou uma história que terminou em… gargalhada. Afinal, a velocidade que imprimia dentro do relvado era ínfima quando comparada com o pé de AVB no… acelerador. «Era sempre a abrir! Eu tinha medo de andar com ele de carro. Como vivíamos os dois no Porto, muitas vezes íamos juntos para Coimbra. Ora de comboio, ora no carro do mister. Mas o carro que tinha na altura, de gama alta, era uma bomba e ele tinha o pé mesmo muito pesado. Era incrível!», recorda.

A terminar, um pedido público ao novo presidente do FC Porto: «Já na altura em que era meu treinador dizia que uns anos mais tarde iria ser presidente e que quando avançasse com uma candidatura ao cargo seria o dia em que ganhava as eleições. Eu achava aquilo uma utopia, mas a verdade é que bateu tudo certo. Espero que ele se lembre de um dia destes convidar a afilhada para assistir a um jogo do FC Porto na tribuna presidencial do Estádio do Dragão [risos].»

O BI E O TÁXI

À medida em que o nosso jornal contactou antigos pupilos de Villas-Boas, os relatos sucederam-se. E todos na mesma direção: um (ex-) treinador disposto a fazer de tudo para o bem comum. Fosse dentro ou fora dos relvados. Tal como de resto, se pode extrair da história de um documento de identificação.

«Esqueci-me do Bilhete de Identidade na Póvoa de Varzim quando íamos jogar à Madeira, diante do Marítimo, e o mister disse-me logo para eu dizer ao meu pai para meter o BI num táxi que ele pagaria a viagem. Ele [o taxista] tem de vir a voar, assumiu de imediato», lembra Ricardo Nunes. E conclusão foi… óbvia: «O taxista foi levar o BI a um hotel em Vila Franca de Xira. Cerca de três horas depois tinha o BI na minha mão. E o mister pagou o táxi. De ida e volta! [risos]»

Ricardo Nunes marcou uma era ao serviço dos estudantes e rumou, depois, ao FC Porto

Este episódio foi apenas mais um de tantos que dão conta da preocupação de AVB com tudo o que o rodeava. No fundo, o antigo técnico só queria que todos estivessem felizes. «Foi uma lufada de ar fresco para o que estávamos habituados. Não o conhecíamos e foi uma surpresa enorme. Os seus métodos de trabalho, o relacionamento com os jogadores… Era muito extrovertido e brincalhão. Um homem com uma personalidade muito vincada e sempre próximo dos jogadores, com uma liderança totalmente aberta e extremamente acessível», salienta.

O agora candidato à presidência do Varzim não tem dúvidas em antever «o maior sucesso» de Villas-Boas no novo cargo, desejando-lhe «as maiores felicidades». «Demonstrou sempre grande responsabilidade e valores humanos de enorme relevo e tenho a certeza de que vai ter tanto sucesso quanto teve durante a carreira de treinador», prevê Ricardo, que também representou o FC Porto e que sabe bem o que é «a mística muito própria de um clube exigente». A finalizar, um desejo de (futuro) presidente para presidente: «Estar sentado ao lado dele na tribuna presidencial do Estádio do Dragão seria um prazer enorme. Um orgulho. Um sonho. Seja num jogo da Taça de Portugal, se assim ditar o sorteio, seja num jogo da Liga, caso o Varzim consiga, como todos esperamos, voltar ao patamar que merece.»

CARTÃO DE CRÉDITO

Por entre a panóplia de peripécias que, quase 15 anos depois, podem ser contadas publicamente, há outra história que também tem contornos muito próprios. E que até pode ser vista como (mais) um gesto de paternidade. Falamos do cartão de crédito de AVB. Aquele que era, literalmente, colocado à disposição dos jogadores quando as coisas corriam bem.

«Sempre que íamos jogar fora de casa e ganhávamos, o mister dava o cartão de crédito ao Rui Gonçalves, que era o nosso team manager, para nós comprarmos o que quiséssemos na primeira estação de serviço em que parássemos na viagem de regresso a Coimbra. E podiam ser cervejas e tudo. Era o que quiséssemos», confidencia Nuno Coelho, outro dos antigos jogadores da Briosa que também tinha passado pelo FC Porto e que não esquece que em ocasiões festivas «o mister convidava toda a estrutura para almoçar ou jantar e fazia sempre questão de pagar».

Antigo médio-defensivo passou pela Briosa já depois de ter jogado no FC Porto

Ainda de acordo com o agora comentador, a humildade de AVB prova-se também pelo facto de «nunca ter feito questão de se associar ao mister José Mourinho, que já era o treinador que era», mesmo que com ele tivesse trabalhado durante várias épocas antes de chegar a Coimbra. «Sempre traçou o seu percurso e fez o seu caminho de forma natural. O que saltou desde logo à vista foi a organização. Tinha uma metodologia de treino muito apelativa e uma mensagem de enorme proximidade com o grupo. Criou logo esse impacto pela diferença», salienta o antigo médio-defensivo, que não esquece a forma como Villas-Boas lidava com os jogadores no final dos treinos em que «rebentava com o grupo e que depois se sentava na relva a falar de assuntos que nada tinham que ver com futebol». «Era uma pessoa muito especial», assume.

Sobre o presente e o futuro de AVB, Nuno Coelho é perentório: «Vai estar à altura do desafio. É uma função que exige muita organização e como ele é super metódico vai responder com todo o empenho. Tem o perfil ideal para o cargo com que sonhava desde criança.»

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