Di María, o herói de Rosário eternizado numa canção
Entrevista ao vocalista da banda La Descontrolada, que criou ‘Angel’, a homenagem ao ídolo atualmente no Benfica que todos querem ver regressar no próximo verão
Ele nasceu
Num bairro de Rosário
Ele cresceu
Com a bola entre o carvão
Ele começou a fazer magia
No Torito
Sacrifício familiar
Ninguém o podia parar
Mas um Deus
Fê-lo cruzar com outro anjo
Que lhe deu a bênção
E no Central ele gritou o seu primeiro golo
Angel, o povo ama-te, abre as tuas asas
Sobre a Argentina
Angel, o povo Canaya espera por ti
Na tua casa, a tua cidade natal
Angel, campeão da vida
Jorgelina Pia e Mia, a vossa casa
É uma história de superação narrada com a melodia e a paixão de quem a quis contar. Nem todos os futebolistas podem orgulhar-se de dar o nome a uma canção, uma homenagem destas é um património imaterial que na era digital se torna eterno. E foi esse o desejo da banda argentina La Descontrolada: fazer de Di Maria um «padrinho para sempre de Rosário», a cidade onde o benfiquista nasceu e jogou, antes de se transferir para a Luz, em 2007.
A ideia nasceu e concretizou-se em fevereiro, ainda sob o estado coletivo de embriaguez pela conquista do Mundial-2022, dois meses antes, em cuja final El Fideo marcou um golo a França. «Tínhamos de mostrar que Di María é amado por todos os rosarinos, mas também por todos os argentinos. Depois de Messi, ele é o jogador mais querido dos adeptos no nosso país», diz a A BOLA o vocalista, Cristian Tripa Pombo.
Foi a primeira vez, em mais de 25 anos de carreira, que La Descontrolada dedicou uma música a um jogador. «Porque ele é especial», justifica. «Ele é um exemplo de superação para todos, mesmo os que não são adeptos do Rosário Central. A canção fala da bola entre o carvão porque ele de facto teve de ajudar os pais na carvoaria quando era menino, não foi uma vida fácil. Daí que eu me refira ao ‘sacrifício’», esclarece, cantando os versos à medida que a conversa se desenrola.
Apesar de ser um herói local, Di María tornou-se um ícone nacional. A prova esteve na forma como foi recebido pelos adeptos do Newell’s Old Boys, o grande rival do Rosário. Ou melhor, do Central, como é conhecido. «Foi incrível. Era o jogo de homenagem a Maxi Rodríguez. Ele ia com muito medo da reação dos hinchas, mas foi aclamado», conta Tripa. É como se o Estádio da Luz ovacionasse um jogador formado no Sporting da mesma forma como os benfiquistas celebram um golo de João Neves. «Por muito orgulho que tenhamos no facto de ele ter nascido aqui, Di María deixou de ser do Central, tornou-se nacional e internacional.»
De herói local a nacional
Mas nem sempre foi assim. O próprio revelou recentemente que teve de vencer as críticas dos conterrâneos. Tudo mudou com o golo na final da Copa América, no verão de 2021, frente ao Brasil, em pleno Maracanã (1-0). «Houve um antes e depois dessa final no Rio de Janeiro. Quer para ele quer para Lionel Messi, que também é de Rosário. E depois do que sucedeu no Mundial do Catar, Di María virou um ídolo», aponta um sempre bem disposto Cristian, orgulhoso por nascer numa terra capaz de brotar tanto talento por metro quadrado.
É de forma igualmente vocal que Tripa Pombo revela o sonho: ver Di María a jogar novamente no Rosário Central. «Seria inédito em 137 anos de história», revela. «Nunca um jogador regressou ao nosso clube estando na plenitude das suas capacidades físicas e técnicas como ele está agora e que tanto tem beneficiado o Benfica. Outros voltaram, mas numa fase das suas carreiras em que já pouco ou nada acrescentavam.»
Os sinais, diz, vão nesse sentido. «Nós, adeptos do Central, ficámos muito satisfeitos quando ele decidiu ir para o Benfica. Porque ele tomou uma decisão com base no coração e está a inverter o seu ciclo, ou seja, está a regressar aos locais que considera as suas casas: primeiro o Benfica, onde jogou pela primeira vez na Europa e depois Central, onde tudo começou», observa a voz de La Descontrolada.
«Nunca podemos ter certezas, porque se trata de um jogador profissional e de elite, mas acredito muito que ele será nosso jogador na próxima época. Além da questão sentimental, de ele ter sido formado aqui, o Central está diferente. O estádio está a ser remodelado, pois a última vez que sofreu obras foi no Mundial-1978, e além disso fomos campeões», sublinha, acreditando no alinhamento dos astros: «A última vez que ganhámos o campeonato foi em 1986, quando a Argentina também se sagrou campeã do Mundo e quando o Nápoles, com Maradona, também viria a vencer o campeonato de Itália, tal como aconteceu em 2023.»
Cristian Tripa Pombo torce, por isso, que Di María vença «o mais que puder» no Benfica. Para não deixar o trabalho incompleto, mesmo que o esquerdino já tenha ouvido de Rui Costa o convite para ficar mais um ano. «Espero do fundo do coração que ele seja campeão em Portugal. Primeiro, porque torcemos sempre por ele; segundo, porque gostámos muito de ver como os benfiquistas o receberam; e finalmente porque isso faria com que ele ouvisse ainda mais o coração. Ele mostrou os seus valores ao regressar ao Benfica e isso é a prova de que está cada vez mais perto de vir ter connosco.»
El puebo canaya te espera.
Concerto privado
La Descontrolada é uma banda criada em Rosário cuja existência se deve única e exclusivamente à paixão pelo Central. Tudo começou como tantas outras bandas: um grupo de amigos, uma garagem e alma rock. «Gravámos umas músicas, partilhámos com uns amigos e pouco depois estávamos a ser convidados pelo clube para participarmos em eventos. Isto em 1995», recorda a A BOLA Cristian Tripa Pombo, o vocalista, que na companhia de Gabriel Calvo, David Narigón Peroni, Marcelo Ruvioli, Juan Pablo Bruno e Paolo Alamani Bajo formam um grupo movido a febre da bola.
«Em 2005 fizemos o nosso primeiro disco completo com músicas sobre o Central. Vendemos mais de 100 mil discos», conta. A relação com Di María começou em 2017. «Perdemos-lhe o rasto quando ele foi para o Benfica. Mas temos boa relação com Jorgelina [mulher do jogador] e anos depois fomos convidados para assistir a um jogo do PSG com o Saint-Étiènne na zona VIP. Tocámos uma música do Central para ele que se tornou viral e em fevereiro, depois de gravarmos ‘Angel’, fomos tocar-lhe a versão acústica a Turim, quando ele jogava na Juventus. Adorou.» Já como jogador do Benfica, o esquerdino publicitou concertos da banda nas suas redes sociais.
O tema fará parte do disco La Casa del Canaya, o terceiro do grupo, previsto para 2024. Os últimos retoques serão dados em Madrid, pelo que a vista a Lisboa tornar-se-á obrigatória. «Temos muita curiosidade em vê-lo jogar pelo Benfica. Recebemos muitas fotos de amigos vestidos com a camisola do Central. Isto é maravilhoso e não se vê noutro lado.»
«O que ele mais gosta no Benfica? As pessoas»
Tripa não perde um jogo do Benfica. A proximidade emocional com Di María a isso obriga e como ele muitos adeptos do Rosário Central seguem o percurso do ídolo no emblema encarnado. Quando lhe questionámos sobre o que o esquerdino mais gosta no clube, a resposta foi imediata: «As pessoas.».
«Ele ficou muito impressionado pela forma como foi recebido no Benfica. Ele adora o clube e os adeptos», revela o vocalista de La Descontrolada. «A família dele gosta muito de viver em Lisboa, sentem-se muito bem aí», adianta, falando de um clube que aprendeu a respeitar.
«Nós, os adeptos do Central, acompanhamos tudo o que ele faz no Benfica porque desejamos que a próxima etapa seja o regresso a casa», insiste, realçando o bom momento de forma de Di María: «Ele continua a marcar golos e a fazer assistências porque se cuida bastante. Aos 35 anos ainda faz os jogos todos e isso não me surpreende porque ele sempre cuidou bastante do seu corpo. Muitos podem até não saber, mas ele é bastante metódico.»
O aspeto mental também ajuda. «Ter conquistado o Mundial deu-lhe a tranquilidade para tomar as melhores decisões, o que nem sempre ele teve. Agora ele está mais sereno sempre que vai fazer algo, seja em campo ou fora dele. O que ele está a mostrar no Benfica é apenas a confirmação de um jogador que continua no topo.»