«Crise de identidade que não dá tréguas», a crónica do Benfica-Casa Pia
António Silva conforta Trubin após o erro no golo do Casa Pia (Sérgio Miguel Santos/ASF)

«Crise de identidade que não dá tréguas», a crónica do Benfica-Casa Pia

NACIONAL28.10.202321:33

Águias acordaram para a realidade apenas aos 86 minutos; gansos foram melhores taticamente; chama imensa andou longe da Luz

No Campeonato Nacional, prova de regularidade por excelência, há, para os candidatos ao título, pontos recuperáveis e pontos irrecuperáveis. O Benfica, frente ao Casa Pia, como sucedera ao FC_Porto com o Arouca, deixou em campo dois pontos irrecuperáveis, e que podem custar o título. E só pode queixar-se de si próprio, numa noite de desinspiração e escassa convicção, onde a equipa só acordou para a realidade quando Florentino, aos 86 minutos, rematou de cabeça à barra. Até esse momento, apesar de estar em vantagem desde os 44 minutos, graças a um instante de inspiração de João Mário, nunca mostrou vontade séria de ir à procura do segundo golo, que provavelmente mataria o jogo, preferindo enredar-se num futebol redondo, de escassa presença na área contrária. Mas pior: a dormência manteve-se mesmo depois de Trubin, aos 54 minutos, ter defendido um penálti, e de, seis minutos depois, ter impedido uma iniciativa perigosa de Larrazabal, lateral esquerdo que carrega a responsabilidade de ser herdeiro de linhagem nobre do futebol basco. Ao mesmo tempo, os velocíssimos Jajá e e Soma, com o espaço que tinham, mantinham em permanente estado de ansiedade os mais de 57 mil benfiquistas que acorreram à Luz, na noite de festa das Casas do clube.

Não foi, pois, por falta de avisos que o cântaro tantas vezes foi à fonte que se partiu. O Casa Pia, sempre bem organizado, teve a sagacidade tática que faltou aos encarnados, e leu o momento de forma perfeita, aproveitando o facto do jogo se ter tornado mais aberto, o que em tese devia beneficiar o Benfica. Assim, aos 81 minutos, quando Larrazabal, com escasso ângulo, fez a bola passar entre as pernas de Trubin, que fechava o primeiro poste, os piores receios dos benfiquistas confirmaram-se.

Roger Schmidt

Ao ler o jogo, Roger Schmidt não se apercebeu de que a sua equipa estava a desligar-se e aos 64 minutos tratou de alterar a ala esquerda, mandando entrar Jurasek, que nada acrescentou ao que Bernat tinha feito, e Di María, que foi para a direita (e dois minutos depois teve um grande remate, superiormente defendido por Ricardo Batista, a sua única ação relevante na partida), que substituiu Neres no melhor momento do brasileiro, passando João Mário para a esquerda. Mais tarde, sem rasgo, o técnico alemão trocou Arthur Cabral, sempre desapoiado e desinspirado, por Tengstedt (74), que sofreu dos mesmos males. Enquanto isso Filipe Martins refrescou o meio-campo, setor onde do lado encarnado João Neves continuava a pautar jogo e Florentino a roubar bolas, mas com os companheiros cada vez mais longe...

sem presença na área

Só aos 86 minutos, quando Florentino cabeceou à barra, houve um toque a rebate no Benfica, que tentou fazer nos onze minutos (quatro mais sete de compensação) que faltavam, aquilo que devia ter feito ao longo da partida. Um minuto depois da bola de Florentino no travessão, entraram Chiquinho e Gonçalo Guedes (é um mistério porque não é titular deste Benfica sem presença na área e com falta de velocidade e golo!), e já na base do desespero Rafa e João Neves obrigaram o guarda-redes do Casa Pia a brilhar, e na sequência de um pontapé de canto António Silva acertou na trave. Ou seja, um pouco como sucedeu no Estoril, o Benfica até podia ter conquistado os três pontos. 

Mas mesmo que isso acontecesse não atenuaria a má exibição - traria, até, uma sensação de injustiça aos casapianos - e acima de tudo não seria suficiente para maquilhar o que só não vê quem não quer: o Benfica desta época não pressiona alto, desune-se defensivamente como se fosse uma peça de cristal, e não tem presença na área. Na partida de ontem chegou a ser caricato ver Arthur Cabral cair na direita, querer cruzar e não ver ninguém para concluir. E, das duas uma, ou Roger Schmidt percebe rapidamente o que está a acontecer, ou não será só a Champions a passar ao lado dos campeões nacionais.