«Condenar o Benfica? Teria de haver muita coragem e toda a certeza»

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Advogada Soraia Quarenta explica o rumo que o processo dos emails pode ter e lembra que é preciso ter cuidado com os julgamentos na opinião pública; e também lembra que Rui Costa vai continuar a ter papel fundamental, mesmo sem ser arguido

Soraia Quarenta, advogada e secretária-relatora do Conselho de Disciplina na Associação de Futebol de Lisboa, explicou a A BOLA o alcance das acusações do Ministério Público, já depois de o clube da Luz ter assumido que iria defender-se.

«Aquilo a que assistimos foi apenas o culminar da primeira fase de qualquer processo penal, que é geralmente composto por três fases, sendo que duas são obrigatórias, entre aspas, e uma é facultativa. E isto, em termos muito simplistas, para que se perceba. Temos a fase do inquérito, que acabou agora, e que culmina nesta acusação. Só culmina em acusação ou arquivamento. Há no despacho uma parte de arquivamento, ou seja o Ministério Público acaba por dizer que não recolheu indícios suficientes para acusar as pessoas, ou as entidades. E depois há a parte da acusação. Achou, então, que em determinadas matérias tinha indícios suficientes para acusar aqueles arguidos da prática dos crimes de corrupção e de fraude fiscal», observou, sem se deter.

Soraia Quarenta (D.R.)

«A partir deste momento, o processo sai de segredo de justiça, fica público. Os primeiros a conhecerem o teor da acusação são os arguidos e começa agora a fase de defesa. E os arguidos vão ter agora a possibilidade de, querendo, passar à abertura da Instrução ou seguir para julgamento. A instrução é mais facultativa, mas não tem sido comum abdicar-se desta fase, que também serve de defesa. Os arguidos podem pela primeira vez apresentar provas da sua inocência e um juiz vai avaliar se os arguidos são realmente pronunciados para ir a julgamento ou não. É como se fosse uma fase de triagem para julgamento, o juiz pode ver as defesas, os argumentos, as provas apresentadas pelos arguidos e achar que realmente não há indícios da prática de crime e o processo acaba aí, como pode também pronunciá-los por todos os crimes e levá-los a julgamento.»

E explicou o que seria preciso provar em julgamento para que o Benfica fosse suspenso por um período de seis meses a três anos, como pede o Ministério Público. «Teria de ficar provada a corrupção ativa e/ou o tráfico de influência em toda a plenitude daquilo que é o artigo legal que determina o que é um crime de tráfico de influência ou de corrupção. Tinha de haver um agente, tinha de se provar quem foi esse agente, que por si ou por outra pessoa procurou obter uma vantagem não devida e em que molde é que foi. Porque pode, e nós já assistimos a isso noutros casos de corrupção no desporto, não ter impacto na vertente competitiva. E aí também não haveria matéria para a sanção acessória, porque tem de ter impacto na vertente desportiva», frisa.

«E também tenho de dizer que tinha de haver muita coragem e uma certeza para lá de qualquer dúvida razoável, porque o Ministério Público, como é óbvio, pede aquilo que é o quadro legal e o quadro legal determina que nestes casos pode haver esta sanção acessória. Mas em relação a um dos três grandes é preciso ter ali uma certeza, porque o impacto vai muito além dos efeitos desportivos. Só mesmo com uma condenação em toda a plenitude é que uma sanção desta gravidade vai ocorrer. E, mesmo assim, ainda temos a fase de recurso», alerta.

Rui Costa, Domingos Soares de Oliveira e Nuno Gaioso, administradores da SAD do Benfica à data dos factos expostos pelo Ministério Público, foram ilibados, Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves, não. «Indicia que nem Rui Costa, nem os demais intervenientes, terão tido participação nestas práticas dentro da Benfica, SAD. Mas Rui Costa, mesmo não sendo arguido, vai ser figura ativa neste processo, pois é o presidente da SAD, terá de assumir a defesa da instituição. E é também preciso dizer que até agora há uma acusação como são feitas milhares todos os dias, as pessoas não podem ser condenadas à partida. O que há são indícios relevantes e fortes o suficiente para acusar alguém. Não quer isto dizer que tudo venha a ser provado e, portanto, o bom senso dita que haja contenção nos julgamentos da opinião pública.»

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