China: Romário Baldé é o Messi de David Patrício no Nantong Zhiyun
Treinador português, o mais jovem da recente Superliga, traça balanço extremamente positivo da experiência, que abraçou em 2019, no clube de Rugao; manter o extremo formado no Benfica é agora o desafio
Na China desde 2019, sempre ao serviço do Nantong Zhiyun, novel clube fundado em 2016 e com base de trabalho na cidade de Rugao – área metropolitana de Nantong e província de Jiangsu –, o português David Patrício, de 39 anos, o mais jovem treinador da Superliga chinesa na presente campanha que terminou com o título do Shanghai Port, está já a trabalhar na preparação da próxima época, apesar de o clube ainda não ter anunciado, oficialmente, a continuidade como treinador principal.
«Deixo que sejam os responsáveis a tomar a iniciativa do anúncio da continuidade, mas o que posso dizer é que, logo no dia a seguir a termos conseguido a permanência, já estava a trabalhar na próxima época», confirma David Patrício a A BOLA, depois de ter conseguido o «pequeno milagre» que, para o treinador, representou a manutenção, em época de estreia, na Superliga.
Em termos de balanço, David Patrício, que tem contrato com o clube até final de 2025, não tem reservas de que «acabou por ser uma campanha extremamente positiva, considerando que o orçamento do clube era bastante inferior aos dos demais, e os objetivos propostos no início do primeiro ano neste campeonato.» Aliás, em termos orçamentais «não há comparação possível com os adversários», reforça o técnico, que no Nantong Zhiyun começou por ser adjunto, logo em 2019, «responsável pela metodologia de treino, estratégia, formação dos treinadores e criação da academia», foi designado diretor técnico em 2021, mantendo paralelamente as funções de treinador-adjunto, depois de um ano a trabalhar à distância, desde Portugal, em plena pandemia, para assumir a equipa, como treinador principal, em 2023. «Esse sempre foi o meu objetivo e isso ficou logo bem vincado nas primeiras reuniões com o presidente», destaca ainda.
Empenhado na planificação da nova época, David Patrício reconhece que uma das prioridades passa, em grande parte, pela renovação do avançado luso-guineense Romário Baldé, de 26 anos, jogador formado no Benfica, que em Portugal também jogou no Tondela, Académica, Gil Vicente e Leixões, e que teve ligação direta a cinco golos e quatro assistências na última Superliga.
«Romário Baldé está para o Nantong Zhiyun como o Messi estava para o Barcelona de Guardiola», enfatiza David Patrício. «Empenhei-me muito na sua contratação, estive sempre muito próximo, e não tenho dúvidas que conseguiu atingir aqui a sua melhor versão. Aliás, posso mesmo afirmar que não há nenhum extremo melhor que ele a jogar na China. Foi extraordinário para o Nantong conseguir ter um jogador deste nível e queremos, naturalmente, mantê-lo na equipa. Em termos ofensivos criou um impacto muito grande e imediato. Há um processo de negociação para renovarmos», confirma o técnico.
Começou e terminou o campeonato
Depois de um arranque prometedor, a verdade, porém, é que a permanência foi assegurada apenas na última jornada, apesar de uma derrota em casa, por 1-2, frente ao Tianjin Jinmen Tiger, o Nantong Zhiyun terminou o campeonato no 14.º lugar, o primeiro acima da linha de água, com 22 pontos, mais dois do que o rival Dalian Pro, que perdeu o derradeiro jogo com o já campeão Shanghai Port, do avançado luso-angolano Lucas João.
David Patrício iniciou e terminou o campeonato. Pelo meio, voltou a concentrar-se nas funções de diretor técnico, ficando o comando da equipa entregue, nesse período, ao espanhol Gabri. «Tínhamos muitos jogadores a competir pela primeira vez nesta liga, novamente com adeptos no estádio. Foi um impacto muito grande. Mas os resultados iniciais foram positivos e criou-se alguma expectativa. Ao fim de quatro jornadas, chegaram a perguntar-me se o clube tinha condições para lutar pelo título. Na prática, fomos um pouco vítimas daquele sucesso inicial», lamenta o treinador português, mesmo que, sustenta, o presidente, que é também o investidor do clube, se tenha arrependido da troca no comando técnico.
«Vacilou um pouco, não conseguiu gerir o momento menos positivo, e depois voltou a pedir-me para salvar a equipa nos últimos quatro jogos. O primeiro foi logo com o Shanhgai Port, que ainda não tinha o título garantido. Assumi o risco, não podia dizer não ao Nantong ou virar a cara à luta. Tinha tudo a perder e muito pouco a ganhar. Felizmente, as coisas correram bem. Conhecia bem o plantel, tinha sido eu a escolher os jogadores, sabia do seu valor e acreditava que era possível», destaca David Patrício.
Procurar jogadores livres
No atual quadro de rigor orçamental, depois de o futebol chinês ter conhecido um período de investimento praticamente sem limites e que em poucos anos levou ao surgimento e desaparecimento de dezenas de clubes, David Patrício está consciente do novo paradigma, em particular da realidade do Nantong Zhiyun, e sabe que, num futuro próximo, a filosofia quanto à política de contratações, por exemplo, é para manter. «O presidente é também o investidor e quer criar um clube que consiga manter-se vivo e venha a ser centenário», sustenta o técnico português.
«Para contratar estrangeiros, e na Superliga podemos ter cinco no plantel, embora só possam jogar quatro e ter mais um no banco, tem de ser jogadores livres, de preferência jovens, com talento e se possível sem agentes… Não foi fácil contratar o Romário Baldé, o Lucas Morelatto ou o Bressan, jogadores escolhidos por mim e que fizeram a diferença», reconhece o técnico que, nas conversas que tem mantido com jogadores e agentes no âmbito da planificação da nova época, lá vai avisando que o clube «não paga transferências, só pode contratar jogadores livres de contrato.»
Do critério e acerto nas contratações dependerá, depois, a performance do conjunto em campo. «Na China, para alguns clubes e presidentes, pagar salários e prémios altos é também uma demonstração de poder. A parte financeira é muito importante para os jogadores. Mas essa não é a realidade do Nantong Zhiyun. Pelo contrário. A nossa equipa era a única que não tinha prémios de jogo definidos. O presidente foi claro e disse-me que dele dependiam cerca de 200 famílias e essa era a sua prioridade. Só na parte final, em alguns jogos, o presidente anunciou um incentivo monetário extra… mas também é verdade que, ao longo do ano, dentro do orçamento possível, os nossos salários estiveram sempre em dia e isso é também importante», destaca David Patrício.
Bom relvado e bancadas cheias
Com o alívio das medidas da política zero covid, o futebol voltou a ter público, sem restrições, e o Nantong Zhiyun atraiu, logo nos primeiros jogos, em média 15 mil adeptos para um estádio que, com a expansão de uma nova bancada, ficou com capacidade para 20 mil pessoas, recorde superado no último e decisivo jogo do campeonato. «Números oficiosos, apontam para 20.023 mil espectadores, na sua maioria jovens e muito entusiastas, o que é prova de vitalidade e futuro de um clube que o presidente quer centenário. Aliás, quando cheguei para a primeira reunião, em 2019, o que mais me impressionou foi a qualidade do relvado do estádio olímpico e a presença de 11 mil pessoas num jogo da Segunda Liga», lembra David Patrício que encontrou em Rugao boas condições de trabalho. «A nossa proposta passa por um futebol atrativo, de ataque, associativa e para isso é fundamental um bom relvado. O estádio é recente e temos dois campos de treino de relva natural… não tenho dúvidas, pelo que conheço, de que qualquer treinador europeu que chegasse aqui ia ficar satisfeito com as condições de trabalho», reforça.
Critério na contratação dos estrangeiros
Apesar de consciente de que a continuidade no Nantong Zhiyun, «um clube com enorme margem de progressão», é um desafio aliciante e que pode possibilitar «conquistas diárias», David Patrício não esconde a ambição, na China ou noutro contexto, de abraçar um projeto de outra dimensão. «Felizmente, o telefone já tocou… mas para mudar terá de ser para uma estrutura que possa sustentar a minha natural ambição», sustenta.
Mas enquanto isso não acontece, é o presente que absorve as energias de David Patrício. «A gestão do clube é muito pessoal, centrada no presidente. Procura-me, pede-me opinião, mas a última palavra é sempre dele», situa o treinador, focado, nesta fase, na construção do plantel para 2024 e, se possível, na manutenção dos principais jogadores estrangeiros. Ou melhor, num em particular, como atrás referimos, dando como exemplo o extremo luso-guineense Romário Baldé.
Mas há mais: «O Bressan tem mais um ano de contrato, vai ficar. É o líder da nossa defesa e foi um jogador importante. Teve uma prestação excelente, tal como o Lucas Morelatto, que eu já conhecia do Mafra, também muito importante na nossa equipa. Empenhei-me nas contratações destes jogadores e corresponderam em pleno, foram excelentes», reconhece.