Alcino António deposita flores benfiquistas em Superga

Benfica e Torino «ligados pelo coração e pela alma»

Alcino António, ex-vice presidente do clube encarnado, onde assumiu funções dirigentes, ainda muito jovem, na década de 80 do século passado, foi das pessoas do núcleo encarnado com ligação mais profunda ao Torino. Como se percebe pelo que a seguir escreve...

Foram seguramente das mais emotivas e profundas experiências que vivi na minha longa carreira de dirigente desportivo. Como muitos outros adeptos do futebol, mas sobretudo como benfiquista, e apaixonado desde que me lembro, tive conhecimento daquela tragédia ainda jovem. Mas ter conhecimento dela não é comparável a tomar contacto direto com a realidade do que foi um dos maiores dramas que o mundo do futebol, e do desporto em geral, testemunhou e pôde sentir. 

Foi ainda antes de 2013 que sem dúvida ganhou outra dimensão a minha experiência emocional sobre a tragédia aérea que vitimou toda a equipa de futebol do Torino (conhecida como Grande Torino, por ser considerada, na época, a melhor de Itália e uma das melhores do mundo), de que se assinalam agora 75 anos. 

Prosseguiam ainda os trabalhos para erguermos, no Sport Lisboa e Benfica, o Museu Cosme Damião, que veio a ser inaugurado em 2013, quando recebemos em Lisboa, e eu na qualidade então de vice-presidente responsável pela iniciativa, o presidente do Museu do Grande Torino, o senhor Domenico Becaria. 

Imaginem a emoção ao vermos que o senhor Brecaria trazia consigo para oferecer ao nosso museu um dos restos da fuselagem do avião que se despenhou naquela dramática tarde de 4 de maio de 1949 contra a Basílica, no cimo do monte Superga, nos arredores de Turim, no norte de Itália, e vitimou toda a equipa de futebol do Torino, que jogara na véspera em Lisboa, no Estádio Nacional, na festa de homenagem ao lendário Francisco Ferreira, capitão de um já muito prestigiado e grandioso Benfica, quer na dimensão da massa adepta, quer no impacto internacional, como viria a ficar demonstrado pela resposta do Grande Torino ao convite benfiquista. 

Apesar de distância do tempo, mesmo sendo muito difícil imaginar o que foram a tristeza e o drama, a profunda mágoa e o sentimento ligados a uma tragédia praticamente sem paralelo no mundo do futebol e do desporto, que infelizmente acabou cedo demais por tornar lendários e imortais heróis alguns dos mais valorosos jogadores italianos de sempre, a verdade é que quis o destino que acabasse por me ver emocionalmente ligado a acontecimentos, e sentimentos, de que, como benfiquista, tinha, como milhões de outros adeptos, apenas conhecimento histórico. 

Jamais esquecerei, na realidade, aquele momento em que o presidente Domenico Becaria nos trouxe, no fundo, um pouco da memória física de uma tragédia que tão triste é recordar como tão importante é manter viva, porque só a memória dos homens faz com que sejam eternos os nomes de todos os que viram terminado o caminho da vida e um muito valioso, dedicado, muito talentoso e tão excecionalmente reconhecido percurso desportivo. 

Aquele encontro com Domenico Becaria foi capaz de me levar no tempo para o já de si tão tocante momento histórico. Mas fez mais. Deu início a uma nova e sentida amizade, que perdura e perdurará, e me faz lembrar, uma e outra vez, como são as amizades o que mais devemos reter desta nossa vida como dirigentes desportivos. 

Todas essas relações e ligações emocionais ainda mais aprofundadas e marcadas ficaram quando, já em 2014, no final do mês de abril, por altura do memorável jogo do nosso Benfica com a Juventus, também de Turim, que nos levou à final da Liga Europa, fiz parte da delegação do Benfica que fez uma visita às ruinas do Stadio Filadelfia, casa do Torino até à década de 60, e ao Museu do mítico clube italiano, onde fomos recebidos, ainda, por Domenico Becaria e por dezenas de atletas da formação do Torino. 

No dia seguinte, a 1 de maio, a nossa homenagem à memória de todas as vítimas, mas sobretudo às vítimas do grande emblema do futebol, italiano, levou-nos a colocar flores no cimo da colina de Superga, onde há 75 anos se deu o trágico acidente que ligou para sempre coração e alma de Torino e Benfica. Por si só, esses já seriam momentos de intenso sentimento. Mas a presença de dezenas e dezenas de adeptos do Torino e alguns familiares dos atletas desaparecidos tornou profundamente mais afetiva, mais comovente e, sem dúvida, mais inesquecível uma experiência que viria a ser marcada também pela simples, mas intensa cerimónia religiosa com que o padre Delmar tocou todos os presentes. 

Dois anos depois, a 26 julho de 2016, esta minha relação, na primeira pessoa, com uma história tão devastadoramente trágica e tão profundamente comovente que temos, todos, também, e especialmente, no Sport Lisboa e Benfica, a obrigação de perpetuar, levou-me ao Estádio Nacional, para, em conjunto com alguns membros da direção do Torino, voltar a homenagear a histórica equipa que ali jogou pela última vez a 3 de maio de 1949. 

No dia seguinte a essa homenagem no Estádio Nacional, a 27 de julho de 2016, portanto, pôde o Torino celebrar, no Estádio da Luz, a conquista da prestigiada Eusébio Cup, e seguramente nunca, como naquela tarde, uma derrota terá sido capaz de preencher tanto o coração dos benfiquistas!