As dúvidas que Trubin ainda deixa no ar
Roberto Rivelino, treinador, especialista na posição de guarda-redes e autor, analisa a A BOLA o reforço do Benfica, e compara-o a Samuel Soares e a Vlachodimos
A venda de Vlachodimos deixou a posição de guarda-redes no Benfica carente de alguém capacitado para as exigências que o desafio requer.
O internacional grego concluiu uma passagem de cinco temporadas com êxito individual – será o guarda-redes com maior e melhor legado na Luz neste século –, porém sempre com a ideia de nunca ter sido explorado até ao seu máximo potencial. A prova final deu-se com a venda e descredibilização, recorrente sempre que se chegava ao verão. Se, por um lado, nunca atingiu o brilhantismo, também não era, ao mesmo tempo, um guarda-redes com muitos erros a assinalar e tinha mostrado capacidade para estar na baliza do Benfica.
Depois de muitos nomes associados, o clube contratou Anatoliy Trubin por 10 milhões de euros, um valor alto, ainda mais quando entra na equação a relação custo-qualidade, seja este o atual ou até o potencial.
Alguns furos abaixo de Vlachodimos, o internacional ucraniano traz consigo uma reputação superior ao seu valor, além da fisionomia que beneficia o pacote. Será um guarda-redes que irá reclamar das pessoas qualificadas muito trabalho. Apresenta-se como um valor razoável na defesa da baliza, contudo revela lacunas nos restantes momentos, sobretudo nas ações como último jogador (no ganho de profundidade ou no 1x1), jogo com os pés (embora superior ao grego nesse aspeto) e saídas a cruzamentos ou bolas aéreas, apesar dos 199 centímetros de altura.
A maior questão sobre Trubin prende-se com a emergência de ter um número pronto para a exigência das competições que se avizinham, sejam nacionais ou internacionais. Terá o ucraniano tempo para ser protegido e potenciado? Talvez não. Nesse sentido, acredito que possa vir a cumprir até janeiro, estando, a partir daí, sob risco de ver o seu potencial gorar-se, à imagem do que sucedeu com Svilar ou o próprio Vlachodimos, transversal à escala da equipa B ou sub-23.
Nesse segmento entra, então, Samuel Soares, que tem de revelar alma para o desafio proposto, mesmo não estando preparado no que é estanque enquanto jogador. Aos 21 anos, suplente das categorias sub-19, sub-20 e sub-21 da Seleção, defende hoje uma das maiores e mais exigentes balizas da Península Ibérica. Além de alma e personalidade, não tem, no registo de nível-performance, o exigido para os desafios da Primeira Liga, algo que já deveria estar consumado nesta fase – em alguma altura, nos anos anteriores, deveria ter experimentado desafios fora de portas, tanto pela competição como pelo treino.
No que é o tático-técnico, mostra-se carenciado tanto nas execuções como nas noções de espaço e conceitos do conhecimento de jogo próprios ao guarda-redes. A certo ponto, terá de ser protegido e cuidado para que estas condicionantes não comprometam o que o próprio conseguiu com a sua estrutura no momento atual (lembrar o humano além do produto – recordando vários valores que saíram do Benfica e sucumbiram perante o que lhes era expectável).
O panorama não é, assim, positivo. Precisar-se-ia de tempo para desenvolver Trubin (ou outro guarda-redes de futuro), enquanto se procura por um número 1 capacitado para o rendimento atual ou potencial na baliza do Benfica. Esse tempo não existe, uma vez que nenhum guarda-redes muda ou melhora em poucos meses. As expectativas do ucraniano e dos adeptos terão de ser geridas, uma vez que este ainda não encontrou o momento de rentabilidade para o que o desafio exige.
O ideal será encontrar uma solução para número 1 enquadrado num perfil de guarda-redes sólido e com pouca tendência para desapuro das suas capacidades. Um para chegar, ver e vencer.
* Treinador de guarda-redes e autor do livro «Pensar o Guarda-Redes»