António Miguel Cardoso: «Invertemos aquilo que era um caminho em direção ao abismo»
— A sua candidatura a um segundo mandato obedece a que princípios? Houve alguma coisa que ficou por fazer nesses três anos?
— Num clube como a Vitória existem sempre coisas que ficam por fazer. Seja agora, seja daqui a três, seis, nove anos. É um clube tão grande e com tanta envergadura que nunca nada estará fechado e completo. Nestes últimos três anos sentimos que fizemos um trabalho muito forte a todos os níveis, na organização, na parte financeira, desportiva, na área das modalidades. Em todas as áreas conseguimos ter um trabalho positivo. Sentíamos também que precisávamos dar estabilidade aqui ao clube. Existem algumas coisas que são importantes fazer nos próximos três anos. E por isso, avaliando pessoalmente, e internamente também com a Direção, achamos que justificava ficar mais três anos.
— Recuando ao seu primeiro ano, até mesmo aos primeiros dias do seu mandato, quais são as diferenças? Há menos emergência agora do que havia na altura?
— Depois de estarmos dentro e de nos apercebermos como as coisas funcionam, o sentimento de urgência também é outro. Não vou esconder que a entrada foi complicada. Tínhamos a noção que pela frente havia um trabalho árduo. Sabendo na altura o passivo que o clube tinha, que era grande, e que o nosso orçamento andava na casa dos €28/€30 milhões, sabendo que as receitas tinham sido praticamente quase todas antecipadas, os direitos televisivos e parte comercial também, tínhamos a noção que só teríamos um encaixe anual de cerca de €3 milhões com quotização e em alguma parte comercial. Por isso o défice anual era muito grande. Tínhamos também uma necessidade de pagar as ações ao anterior investidor, que era a MAF.
— Para situar, a MAF é a empresa de Mário Ferreira, antigo acionista maioritário.
— Sim. Também aí tínhamos uma dificuldade. Havia uma série de obrigações e não tínhamos dinheiro, foram momentos complicados. Foi também complicado a entrada num ambiente que sentíamos que não era bom, a nível da equipa profissional, da academia e da organização interna. Sentíamos as pessoas muito desmotivadas, faltava o tal brilho nos olhos. Por isso unimo-nos, fomos passando a nossa mensagem, articulando e trabalhando e as coisas foram-se desenvolvendo e acabaram por correr bem. Nesta fase, ficando, acredito que seja mais fácil. Estamos a inverter aquilo que era um caminho em direção ao abismo. Neste momento as coisas podem ser feitas de outra forma, com menos urgência, a respirar um bocadinho melhor. Tudo o que queremos é que o Vitória continue a expandir-se nos próximos três anos.
Neste momento as coisas podem ser feitas de outra forma, com menos urgência, a respirar um bocadinho melhor. Tudo o que queremos é que o Vitória continue a expandir-se nos próximos três anos
— O Vitória está pressionado pela dívida de curto prazo e, se sim, tem algum plano financeiro para baixar os juros?
— Temos de ver as coisas de uma perspetiva empresarial. Quanto entrámos, o Vitória estava a cair a pique. Não é por um passo de magia que as coisas ficam bem. Tivemos uma estratégia que foi apostar na parte desportiva de forma muito vincada, apostar numa estrutura e na profissionalização da academia e numa boa política de scouting. Acho que isso foi mais do que evidente.
Tivemos uma estratégia que foi apostar na parte desportiva de forma muito vincada, apostar numa estrutura e na profissionalização da academia e numa boa política de scouting. Acho que isso foi mais do que evidente
- E relativamente à dívida de curto prazo?
— Estamos a fazer um plano de reestruturação da dívida. Queremos passar a dívida do curto prazo com juros altos para uma dívida de médio e longo prazo com juros mais baixos. Neste momento o capital de confiança que o Vitória tem junto das identidades financeiras já é outro. Claro que as vendas deste último mercado ajudaram, as campanhas que temos feito tanto a nível nacional como a nível internacional também. O Vitória neste momento é uma referência. A nível europeu já se fala muito do que está a ser feito no Vitória.
— Impacta a equipa estar nas provas da UEFA?
— Claro que é diferente. Na época passada, fizemos um recorde de pontos a nível nacional. Fizemos história e no final do ano não se conseguiu materializar isso na venda de ativos pelos valores que pensávamos. Logo ali percebemos que o impacto da Europa é importante, que, claramente, deveríamos apostar este ano na qualificação, e optamos no mercado do verão por não vender os ativos por propostas mais reduzidas. Efetivamente o Vitória precisa estar nos palcos europeus. Desde que entramos temos três qualificações consecutivas para a Europa. Para que o clube seja uma referência, tem de estar constantemente nesses palcos.
Desde que entramos temos três qualificações consecutivas para a Europa. Para que o clube seja uma referência, tem de estar constantemente nesses palcos
— O mercado de janeiro foi muito agitado, com vendas recordes. As transferências do Alberto, Manu e Kaio César estavam previstas para esta altura?
— No ano passado, numa Assembleia Geral, onde apresentamos as contas negativas aos sócios, foi falado que a aposta seria na qualificação para a fase de grupos da Conference League. Lógico que se me perguntarem o que é que acho ideal? O ideal é vender no final do verão. Mas as coisas aconteceram agora, e o mais importante é dar estabilidade aos colaboradores, ao plantel, a tudo o que está envolvido com o Vitória. Não havia como dizer que não, porque o Vitória precisa. Os valores são altos e os jogadores, mediante determinados valores, também tiveram vontade de sair. Faz parte daquilo que é a evolução e a estratégia do Vitória.
O ideal é vender no final do verão. Mas as coisas aconteceram agora, e o mais importante é dar estabilidade aos colaboradores, ao plantel, a tudo o que está envolvido com o Vitória. Não havia como dizer que não, porque o Vitória precisa
— Vão buscar o Beni ao Casa Pia por €3 milhões. O candidato da lista A associou esse negócio a um empréstimo que uma das empresas acionistas do Casa Pia fez ao Vitória, com juro de 11 por cento...
— As pessoas que estão nessa lista, de há três anos para cá, semanalmente criticam tudo o que nós fazemos. Se dizemos A é B, se dizemos B é A, são redes sociais, jornais, rádios, sempre os mesmos, sempre a criticar. Portanto, para mim não é novidade. A nossa política de contratações tem sido bastante assertiva, não sei se poderá ser comparável sequer a outro clube, sobretudo em Portugal. Gostamos do jogador, investimos nele, o jogador era do Casa Pia e fizemos um negócio com o Casa Pia. Obviamente que isto nada tem a ver com os empréstimos que tivemos de fazer. Na parceria que temos com a V Sports, nossa acionista, tínhamos um juro praticamente a taxa zero. A partir do momento em que a UEFA bloqueia essa parceria, tivemos de transportar as dívidas que tínhamos da V Sports para outra entidade. Entidade essa que tem relações com a V Sports. Na altura, não fazíamos ideia que teria a ver com a acionista do Casa Pia. Isto é ficção. Não faz sentido absolutamente nenhum. Nem nunca eu, ou a nossa direção, iria comprar algum jogador por favor ou por interesse. Achamos que o Beni é um excelente investimento para o Vitória. Vamos ver o que o futuro nos dirá.
As pessoas que estão nessa lista [A], de há três anos para cá, semanalmente criticam tudo o que nós fazemos. Se dizemos A é B, se dizemos B é A, são redes sociais, jornais, rádios, sempre os mesmos, sempre a criticar. Portanto, para mim não é novidade
— Quem ficou foi Tomás Handel. Falou-se do FC Porto, do Milan, que tinha até um avião à espera dele... A renovação de Handel até 2029 teve de ver com esse interesse que o jogador gerou?
— O Tomás é um dos nossos, começou a jogar na Vitória com 7 anos, 8 anos. É um atleta que entende o clube, tem uma perspetiva global e uma inteligência acima da média. Ficou combinado com o Tomás que, fechando o mercado, e se ele ficasse, renovaríamos, porque ele ganhava pouco. Era algo que já tinha sido apalavrado. Não foi um ato minimamente eleitoralista. É normal, porque existem sempre clubes interessados no Tomás.
Ficou combinado com o Tomás Handel que, fechando o mercado, e se ele ficasse, renovaríamos, porque ele ganhava pouco. Era algo que já tinha sido apalavrado. Não foi um ato minimamente eleitoralista
— Disse numa entrevista que o plantel ficou mais forte. Com saídas tão impactantes, como é que ficou mais forte?
— Disse isso há um ano, há dois anos e há três anos. Desde que entrei. Um jogador, quando sai do Vitória, fica mais fraco e um jogador, quando entra no Vitória, fica mais forte! Baseio-me nisso. Sinto que estamos mais fortes, mais equilibrados, que temos jogadores que jogam com a nossa camisola. Quando falo, falo para dentro, falo para fora, falo para todo o lado. É essa resposta que dou como presidente do Vitória. Temos um grupo espetacular, um grupo que, obviamente, teve um mercado de janeiro difícil.
Um jogador, quando sai do Vitória, fica mais fraco e um jogador, quando entra no Vitória, fica mais forte!
— É limitado o papel da V Sports, proprietária do Aston Villa, na vida do Vitória, devido aos condicionalismos impostos pela UEFA na estrutura acionista. O que aportara essa sociedade à SAD?
— Trouxeram-nos uma tranquilidade a nível de estrutura acionista. Tínhamos um acordo feito pela anterior administração para pagar as ações à MAF. O clube não tinha dinheiro para isso. Nem para pagar as contas do dia a dia. Corríamos o risco, se não pagássemos, de as ações reverterem para a MAF e o clube ficar com a minoria do capital da SAD. E aí seria, sim, perigoso. A V Sports tem uma percentagem minoritária, mas estabilizou desde aí toda a estrutura acionista e o Vitória deixou de correr riscos de perder a maioria.
— Consigo o Vitória será sempre maioritário na SAD?
— Só me revejo numa política em que Vitória tem maioria de capital. Não queremos perder a nossa identidade, a política desportiva deve sempre ser gerida pelo Vitória. Surgem áreas em que eles [V Sports] nos ajudam. A área financeira era uma delas e, efetivamente, houve um bloqueio por parte da UEFA. Agora, ao nível de ‘know-how’, de experiência de jogo, deteção de talentos, da academia, a parte de ginásio, de 'performance' e tudo isso, eles têm sido um bom parceiro para que as coisas evoluam. E no plano de reestruturação financeira, também estão connosco. São pessoas sérias, corretas, importantes e com ótimas relações connosco.
Só me revejo numa política em que Vitória tem maioria de capital. Não queremos perder a nossa identidade, a política desportiva deve sempre ser gerida pelo Vitória. Surgem áreas em que a V Sports nos ajuda. No plano de reestruturação financeira, também estão connosco
— Seria benéfico se a UEFA agilizasse essa questão da estrutura acionista quando uma das sociedades controla outro clube?
— Seria benéfico porque teríamos a capacidade de nos endividar a um custo mais reduzido. Não nos podemos esquecer que a nossa perspetiva de clube é ter o controlo. E já o tenho dito, no dia em que o Vitória quiser perder o controlo, não faltam investidores que venham aqui e comprem de um dia para o outro. Não faltam. Mas não é por aí que queremos ir. Sabemos que temos de competir com outros clubes de uma forma diferente, mas aqui somos tradicionais, gostamos da identidade do clube, não a queremos perder. E por isso são caminhos mais difíceis, o caminho das pedras, mas é isso que nos torna mais fortes, que faz com que os sócios estejam cada vez mais energéticos, entusiasmados e felizes com o Vitória.
— Prometeu concluir uma auditoria ao Vitória antes do primeiro mandato. Por que não foi feita?
— Não sendo lista única não faz sentido estarmos a contratar alguém quando provavelmente no dia 2 pode estar aqui o Sr. Luís Cirilo. Portanto, o que vamos fazer é esperar. Se continuarmos vamos ter de fazer a auditoria, porque dissemos que iríamos fazê-la em todos os mandatos. Se não continuarmos, deve ser feita pela próxima Direção.
— O Vitória apoiou Nuno Lobo nas eleições para a Federação. Ganhou o Pedro Proença. Que enquadramento espera que o Vitória tenha nessa nova dinâmica da FPF e pergunto se a opção acabou por ser a melhor para os interesses do clube?
— Não esperamos enquadramento absolutamente nenhum, nem sequer somos estratégicos no posicionamento. Não. Naquilo que acreditamos vamos em frente, independentemente de quais sejam as forças. O Vitória é um clube que não é submisso... foi durante muitos anos a outros interesses. É um clube independente, que luta pela verdade e pela igualdade entre todos. Achamos que deveríamos ir naquele sentido. Ganhou Pedro Proença, mas não estamos minimamente preocupados, achamos que a Federação, obviamente, terá de ser bem gerida, que os interesses dos clubes serão protegidos e não faltava mais nada se de alguma forma fôssemos prejudicados por isso, porque vivemos em democracia e temos o direito de defender aquilo que achamos melhor.
O Vitória é um clube que não é submisso... foi durante muitos anos a outros interesses. É um clube independente, que luta pela verdade e pela igualdade entre todos
— Tem sido um bocado crítico também sobre a Liga.
futebol português está a caminhar num sentido que me preocupa, e quando vejo a questão da centralização dos direitos televisivos, o não entendimento, vejo o espetáculo futebol cada vez mais pobre, menos gente nas bancadas, falta de iluminação conveniente, falta de espetáculo à volta do desporto, falta de verdade, muitas vezes, até também a ver diretamente com as arbitragens,
— Não sou crítico. Agora, acho que o futebol português está a caminhar num sentido que me preocupa, e quando vejo a questão da centralização dos direitos televisivos, o não entendimento, vejo o espetáculo futebol cada vez mais pobre, menos gente nas bancadas, falta de iluminação conveniente, falta de espetáculo à volta do desporto, falta de verdade, muitas vezes, até também a ver diretamente com as arbitragens, e muitas outras situações, é preciso um alerta. Todos achamos que o futebol português está a expandir-se e que o produto futebol vale cada vez mais. Tenho algumas dúvidas. Acho que é preciso que a Liga e o próximo presidente se foquem muito naquilo que é a centralização, que exista um acordo entre os clubes, uma maior preocupação com a II Liga. Faz-me muita confusão a desproporcionalidade dos valores entre os encaixes da I Liga e da II Liga sejam tão grandes. Tem de haver uma preocupação como o todo, e isso não tem acontecido, portanto, não digo crítico, digo alguém preocupado e que está de alguma forma a olhar e a ver de fora e a perceber que há muito que tem de ser feito para que o futebol português possa crescer.
— Se Júlio Mendes apresentar uma candidatura à Liga, como se especula, o Vitória irá pensar em apoiá-lo, ou não, pelo seu passado no clube?
— Para já não faço ideia se vai ou não apresentar uma candidatura. Não vou estar a falar absolutamente nada em relação a um putativo candidato. Vamos esperar pelos candidatos e depois tomar uma decisão que faça sentido para aquilo que é o futuro do Vitória.
— Em que ponto está o projeto da Academia?
— Tenho plena convicção que no curto prazo os terrenos para a nova Academia acabarão por ser cedidos pela Câmara e teremos novidades em breve. Novidade para o Vitória, não estou a ser minimamente eleitoralista com isto. O nosso projeto baseou-se sempre no atual Complexo da Unidade, permitir que onde nós já temos um pavilhão, fazer uma casa das modalidades no atual Campo I, com outro pavilhão, com mais condições, que permita que desde os Afonsinhos até aos sub-14, sub-15, as equipas possam treinar ali no atual complexo. Queremos também no atual complexo fazer dois miniestádios, um de relva natural e outro de relva artificial, para que todos os jogos oficiais de futebol feminino, formação, equipa B, sejam feitos lá. Essa nova academia está mais focada para aquilo que é parte do futebol profissional, para se trabalhar com mais sossego e recato.
— Que mensagem quer deixar aos sócios como candidato?
O clube é muito mais importante do que as direções, portanto, estamos aqui de espírito aberto, totalmente livres, nada agarrados ao poder. Aquilo que é mais importante para nós é ver os sócios mais felizes e contentes com aquilo que é o crescimento do Vitória
— Os sócios têm de olhar para aquilo que foram os últimos três anos, avaliar, dizer se querem ou não que esta Direção continue. Se quiserem, há energia máxima e muita vontade de trabalhar pelo Vitória. Se decidirem que não e que o Sr. Luís Cirilo será o presidente da próxima direção, também não estamos agarrados. Não achamos que deva ser assim, acho que estamos aqui de passagem, o clube é muito mais importante do que as direções, portanto, estamos aqui de espírito aberto, totalmente livres, nada agarrados ao poder. Vamos estar completamente disponíveis, independentemente de ganharmos ou não, para que o Vitória continue a ganhar. Aquilo que é mais importante para nós é ver os sócios mais felizes e contentes com aquilo que é o crescimento do Vitória.