«Acusação desportiva mais grave da história de Benfica e V. Setúbal»

NACIONAL21:00

Lúcio Correia, advogado e professor de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa, deu a A BOLA o seu parecer sobre o processo dos emails 

— Como analisa a acusação de corrupção ativa que o Ministério Público faz ao Benfica?

— Como se sabe, o Ministério Público (MP) é o titular da ação penal em Portugal, devendo proferir o despacho de acusação, aquando do encerramento do inquérito, e quando se conclui pela existência de indícios probatórios graves e suficientes da prática de um ou mais crimes e da identidade dos seus autores. Deste modo, o MP profere formalmente um despacho de acusação quando contém todos os elementos constitutivos dos crimes em causa e quando avalia toda a prova recolhida no inquérito, tendo a firme e segura convicção de que os indícios possam configurar a provável condenação em sede de julgamento.

Note-se que estão em causa crimes de corrupção ativa  e de oferta ou recebimento indevido de vantagem nos termos da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto (que era aquela que estava em vigor à data dos factos e que entretanto foi revogada pela Lei n.º 14/2024, de 19 de Janeiro) e que estabelece uma punição com penas de prisão de 1 a 5 anos e ainda com pena de multa até 600 dias apenas quanto ao segundo crime.

Tudo isto sem prejuízo de eventual sanção de suspensão das competições desportivas, por um determinado período de tempo.

Nunca antes na história do Vitória FC e do Benfica se verificou uma acusação desportiva tão grave e com repercussões desportivas e patrimoniais ainda imprevisíveis.

Sem dúvida que este despacho marcará a história das SAD em causa, bem como dos demais envolvidos, sendo certo que também a imagem do futebol português fica inelutavelmente manchada. 

Lúcio Correia, professor de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa

— O Benfica já anunciou que irá defender-se do que considera serem acusações infundadas. Quais serão os próximos passos do processo e como poderá o Benfica fazer a sua defesa?

— Note-se que a partir daqui podemos ter dois tipos de responsabilidades distintas.

No âmbito do processo-crime todos os arguidos, incluindo as SAD, terão 20 dias para requerer a abertura de instrução fundamentando a referida peça processual com as razões de facto e de direito que, na sua perspetiva, deverão conduzir à rejeição total ou parcial da acusação.

Posteriormente, terá de realizar-se um debate instrutório, que constitui uma diligência com intervenção do Ministério Público, arguidos e eventuais assistentes, que visa permitir uma discussão perante o juiz de instrução sobre a existência de indícios suficientes para submeter, ou não, os arguidos a julgamento.

Paralelamente, após a acusação pública, no meu entendimento, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), através da Comissão de Instrutores da LPFP (Liga Portugal), deverá pedir certidão judicial da acusação e demais prova dos autos. Neste procedimento disciplinar, compete ao Conselho de Disciplina da FPF, através da  Comissão de Instrutores da LPFP, subsumir o teor da Acusação Pública face às normas do Regulamento de Disciplina da LPFP e pronunciar-se sobre o pedido de afastamento das competições desportivas.

Poderá estar em causa, salvo melhor enquadramento, a aplicação das normas do disposto nos arts. Artigo 63.º (Corrupção dos clubes) e o 64.º-B (Oferta e recebimento indevidos de vantagem) que estabelecem que o clube será punido com a sanção de subtração de pontos a fixar entre o mínimo de cinco e o máximo de oito pontos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 250 UC e o máximo de 1.000 UC, no primeiro ilícito disciplinar. Ou com a sanção de subtração de pontos a fixar entre o mínimo de cinco e o máximo de oito pontos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 250 UC e o máximo de 1.000 UC, relativamente ao segundo ilícito. Ainda acresce a eventual suspensão temporal de participação desportiva, que apesar de não estar contemplada no regulamento, encontra-se prevista na lei e por isso pode ser aplicada.

No entanto, uma vez que os resultados das competições desportivas em causa já não podem ser modificados por se ter constituído caso julgado desportivo pelo decurso do tempo, apenas restará a aplicação de uma eventual multa, exceto se o Tribunal Criminal  aplicar a suspensão temporal da Benfica, SAD das competições desportivas, o que, a verificar-se, terá de ser acatado pelas instâncias desportivas.

— O que seria preciso ficar provado em julgamento para que o Benfica fosse suspenso por um período de seis meses a três anos, como pede o Ministério Público?

— Seria necessário realizar-se prova cabal e inequívoca de que se verificaram todos os pressupostos crimes de corrupção ativa e de oferta ou recebimento indevido de vantagem nos termos da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto.

Ainda é cedo para pensarmos nesta matéria, sendo certo que nem certezas temos ainda de que o processo chegue a julgamento.

Há muita prova e contraprova ainda por realizar, antes de chegarmos a um julgamento desta natureza. 

— Que conclusão pode ser tirada da decisão do Ministério Público de ilibar Rui Costa, Domingos Soares de Oliveira, José Eduardo Moniz e Nuno Gaioso, à data administradores da SAD, e por outro lado acusar Luís Filipe Vieira e Paulo Gonçalves?

— Como se sabe, o Ministério Público procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo que tiver recolhido prova bastante de se não ter verificado nenhum crime, ou de o arguido não o ter praticado ou de ser legalmente inadmissível o procedimento.

O Ministério Público também determina o arquivamento do inquérito se não tiver sido possível obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os seus autores. Neste caso concreto, perante os factos trazidos ao processo, não resultaram indícios alguns contra Rui Costa, José Eduardo Moniz e Nuno Gaioso, à data administradores da SAD, o que não me parece totalmente desprovido de sentido. Só as provas trazidas aos autos poderão esclarecer a tomada de posição pelo MP.

Contudo, estas pessoas podem ter uma função essencial como testemunhas e depor para o apuramento da verdade material, sobre os factos que praticaram ou tomaram conhecimento, no exercício daquelas funções, auxiliando o MP a realizar o seu trabalho.

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