«Acordei, olhei-me ao espelho e perguntei se já poderia retirar-me. Tinha 24 anos. Foi devastador»

Everton «Acordei, olhei-me ao espelho e perguntei se já poderia retirar-me. Tinha 24 anos. Foi devastador»

INTERNACIONAL14.07.202300:04

Dele Alli abriu o coração em entrevista a Gary Neville, para o canal de Youtube The Overlap, do antigo defesa do Manchester United, e revelou ter estado seis semanas numa clínica de desintoxicação nos Estados Unidos, onde chegou viciado em comprimidos para dormir. Mas revelou também traumas de infância, que o terão encaminhado para a adição e para dificuldades numa carreira promissora - foi titular da seleção inglesa que chegou às meias-finais do Mundial-2018 e do Tottenham finalista da Champions em 2019 - que começou a cair a partir dos 24 anos.


Agora, com 27, está de volta ao Everton, após frustrante empréstimo ao Besiktas, da Turquia. «Quando voltei descobri que precisava de ser operado e estava num mau lugar emocionalmente. Decidi ir para uma clínica que trata vícios, saúde mental e trauma. Estava num ciclo terrível, ia para os treinos, sorria, mas por dentro estava a perder a batalha», explicou.


O médio inglês deixou a clínica há três semanas. «Ir é assustador, mas nunca imaginei o quanto me ia fazer bem. Aconteceu-me muita coisa quando era novo e estava a fazer coisas de que me culpava, mas percebi que não conseguia controlá-las», confessou.


Parte das dificuldades vêm de traumas de infância. «Aos seis anos fui vítima de abuso de um amigo da minha mãe, que era alcoólica. Depois fui enviado para África [para viver com o pai, nigeriano] para aprender disciplina, mas mandaram-me de volta. Aos sete comecei a fumar e aos oito a traficar drogas. Aos onze fui pendurado de uma ponte por um homem que vivia perto de mim.»


Aos 12 anos, a vida de Dele Alli começou a mudar, quando foi adotado pela família dum amigo. O sucesso no futebol valeu-lhe transferência para o Tottenham em 2015 e tudo correu bem até à saída de Mauricio Pochettino. «Ajudou-me muito, tínhamos uma relação que ia além da de um jogador com um treinador.»


«Não culpo Mourinho»


Em novembro de 2019 o argentino foi demitido e para o seu lugar chegou José Mourinho. Foi quando as coisas começaram a complicar-se. «Não culpo Mourinho, não culpo ninguém, foi sempre uma luta comigo próprio, era o meu maior herói e o meu maior inimigo», quis deixar claro. Mas foi com o português que deixou de jogar com regularidade. «O meu momento mais triste foi nessa altura, um dia acordei para ir treinar, na fase em que ele tinha deixado de utilizar-me, olhei para o espelho e perguntei-me se já poderia retirar-me. Aos 24 anos, quando fazia o que amava. Foi devastador.»


Na primeira época do português, as câmaras da Amazon filmaram um documentário nos bastidores dos spurs e apanharam Mourinho a chamar preguiçoso a Dele. «Na altura não liguei, sei que não sou preguiçoso, e uma semana depois, ao ver-me treinar, pediu-me desculpa, mas essa parte não apareceu no documentário. E depois, mesmo outros treinadores começaram a usar isso para justificarem porque eu não jogava, quando havia outras razões. Mas era mais fácil...»


Dele reagiu ao facto de não jogar refugiando-se no álcool e nas festas. «Estava a fazer coisas para anestesiar os sentimentos, mas nem o percebia. Mais tarde fiquei viciado em medicamentos para dormir. Tomava muitos e tive alguns sustos. Às vezes parava uns meses, mas nunca lidei com a raiz do problema, os traumas que tive em criança.»


O jogador agradece o apoio do Everton e espera voltar a competir «daqui a umas semanas». Quanto à entrevista, espera «ajudar outras pessoas a perceberem que não estão sozinhas».