A maldição do treinador campeão
Toni, Trapattoni, Jesus, Vitória, Lage e Schmidt foram os últimos treinadores campeões no Benfica

A maldição do treinador campeão

NACIONAL24.04.202421:25

Há 33 anos, com Eriksson, que um técnico vencedor não termina bem a ligação com as águias; Roger Schmidt ameaça ser mais um engolido pela máquina trituradora da Luz

Roger Schmidt parece ter entrado definitivamente numa espiral onde os seus mais recentes antecessores caíram: acabar mal o trajeto depois de ter começado tão bem. É uma espécie de maldição dos tempos modernos: os treinadores campeões no Benfica tendem a terminar a relação de forma abrupta, saindo pela porta pequena.

De uma forma ou de outra, todos os técnicos vencedores no clube nos últimos 33 anos tiveram problemas no trajeto, interrompendo-o a meio. Uns por iniciativa própria, outros por vontade do empregador, mas com desfecho semelhante: caras fechadas depois dos sorrisos outrora abertos.

Sven-Goran Eriksson foi o último treinador das águias a sair a bem do clube. Em 1991, depois de três temporadas (segunda passagem, com um campeonato, uma Supertaça e finalista da Taça dos Campeões Europeus, em 1990), as partes acertaram a saída para a Sampdoria, preparando-se a transição para Toni, num processo pacífico, em grande parte graças ao lastro que o sueco deixou no Benfica – e que tão bem expresso ficou na recente homenagem que o Estádio da Luz lhe prestou.

A partir daqui as histórias de sucesso cingiram-se apenas aos primeiros capítulos. Toni foi a primeira vítima: depois de conquistar o título em 1993/1994, numa época marcada pelo verão quente de 1993 em que Paulo Sousa e Pacheco trocaram o Benfica pelo Sporting, Manuel Damásio venceu as eleições para a presidência e arredou-o do posto, trazendo Artur Jorge do Paris Saint-Germain, onde havia conquistado um campeonato, uma Taça de França, uma Supertaça e chegou a duas meias-finais europeias (Taça UEFA e Taça das Taças).

As mensagens de apoio dos adeptos a Toni quando já se sabia que ia ser dispensado por Manuel Damásio

Seguiu-se um enorme hiato de 11 anos até os encarnados voltarem à glória interna. Com muita argúcia e experiência, Giovanni Trapattoni, que vinha de quatro anos a dirigir a seleção de Itália, venceu o título com apenas 65 pontos conquistados. Mas não quis continuar. Para a história ficou a célebre justificação de dona Paola, a esposa: Trap pretendia regressar para perto da família, mas a verdade é que demorou poucas semanas para assinar pelo Estugarda, da Alemanha, criando muitas dúvidas no universo encarnado sobre os reais motivos que levaram à quebra de ligação com um técnico campeão e um dos mais titulados da história do futebol.

Giovanni Trapattoni festejando com os jogadores na varanda da Câmara Municipal de Lisboa (Foto: Sérgio Miguel Santos)

De Jesus a Lage

Jorge Jesus personificou o caso seguinte. Seis épocas depois de ter assinado com o Benfica, onde conheceu todo o tipo de emoções (venceu três campeonatos, uma Taça de Portugal, uma Supertaça, cinco Taças da Liga e foi finalista vencido de duas finais da Liga Europa), decidiu aceitar o convite do presidente do rival Sporting, Bruno de Carvalho, numa decisão tão disruptiva quanto polémica – quase escusado recordar o quão impactante e acesa foi a temporada 2015/2016, que sorriria às águias dirigidas por Rui Vitória, terminando a Liga em primeiro, com 88 pontos, o máximo alguma vez alcançado pelos encarnados na competição.

Jorge Jesus festejando no Marquês o 34.º título das águias (Foto: António Azevedo)

Mas seria o mesmo Vitória a sofrer do mesmo mal: após conquistar dois campeonatos (e mais uma Taça de Portugal, uma Taça da Liga e duas Supertaças), viu acabar de forma abrupta a sua ligação ao Benfica, a meio da quarta temporada, nunca recuperando da perda do primeiro penta para as águias (2017/2018). No início de janeiro de 2019, e já depois de uma primeira tentativa de Luís Filipe Vieira em segurá-lo (a célebre «luz» que o fez reverter o primeiro ímpeto de o despedir), o treinador do tetra deu a vez a Bruno Lage.

Rui Vitória com o troféu do tetra (Foto: Rui Raimundo)

O até então treinador da equipa B pegou no leme, inicialmente de forma transitória, mas tornou-se uma solução definitiva, logrando o que muitos não imaginavam: inverter uma desvantagem de sete pontos para o FC Porto e arrecadar o 37.º título. Mas também durou pouco o estado de graça: a cinco jornadas do fim do campeonato da época seguinte (2019/2020) e depois de uma derrota por 0-2 frente ao Marítimo, apresentou a demissão.

Roger Schmidt festejando o título no Marquês de Pombal com os jogadores (Foto: André Alves)

Roger Schmidt ameaça entrar no mesmo clube. As críticas que ouviu no Estádio São Luís, em Faro, os objetos que viu arremessados contra ele e a dura reação do técnico, afirmando que «estas pessoas não são  benfiquistas» fazem antever uma relação muito difícil de manter entre o ainda treinador campeão em título e o Terceiro Anel, pois já não tem hipótese, nesta época, de correr atrás do lucro (e não ser que haja uma hecatombe e o Sporting perca os sete pontos que tem de vantagem).

Início da queda

O germânico parece nunca ter recuperado do primeiro desaire da época, conciliando uma derrota (2-3, no Bessa, frente ao Boavista), na primeira jornada, depois de ter ganhado a Supertaça Cândido de Oliveira frente ao FC Porto, com uma posição muito crítica contra Vlachodimos, o que viria a forçar a saída do guarda-redes grego. Foi na antevisão da partida da segunda ronda, diante do Estrela da Amadora. «Não foi o melhor dia dele, para ser sincero. Foi muito óbvio, não temos de esconder isso. Ele jogou muito bom jogos, acho que contra o Boavista ele podia ter feito melhor. Se virmos o jogo todo, vemos que tiveram três momentos para marcar golo e todos os três momentos foram golo», disse, o que motivou séria discussão com o então dono da baliza, promovendo a titularidade a Samuel Soares até dar posição a Trubin.

Vlachodimos: «Conversa com Schmidt...»

25 dezembro 2023, 22:00

Vlachodimos: «Conversa com Schmidt...»

Guarda-redes revela o que falou com o treinador mas não guarda rancor pela forma como saiu; conta qual foi segredo da época anterior: «Mesmo sofrendo primeiro, tínhamos capacidade de dar a volta»; elogia Trubin

À terceira derrota consecutiva na Champions, em casa, diante da Real Sociedad, a 24 de outubro, surgiram os primeiros lenços brancos. «O apoio dos adeptos tem sido fantástico e o ambiente é bom, mas se não estiverem satisfeitos pela forma como jogámos, podem demonstrá-lo. Nós também não estamos felizes pela forma como atuámos frente à Real Sociedad», afirmou, no final.

Quatro dias depois, na antevisão do encontro frente ao Casa Pia, uma expressão ouviu-se pela primeira vez: «Não sinto que o meu lugar esteja em risco.»

Seria no jogo com o Farense, na primeira volta, que o vulcão entrava em erupção. No dia anterior, a 7 de dezembro, o alemão abordava a contestação com alguma segurança: «Alguns estarão descontentes, mas nem todos têm a mesma opinião, a maioria dos adeptos está satisfeita com a equipa. Os adeptos não pensam todos da mesma maneira, alguns estão muito satisfeitos, até pelo que fizemos no último ano e meio. Se virem como o Benfica estava quando começámos e como está agora, acho que houve uma grande evolução. Há sempre pessoas mais negativas, é normal, é assim no futebol e também na sociedade. Há sempre críticos à espera de alguma coisa que corre mal para aparecer e gritar alto, mas mantemos a confiança. Sabemos que a maioria dos adeptos nos apoia.»

Porém, o que aconteceu durante a partida (1-1), sendo alvo de arremesso de objetos e ouvindo assobios estridentes na hora de tirar João Neves, levou o treinador a dar um murro na mesa no final: «Em relação ao que aconteceu nas bancadas, quero agradecer aos adeptos que nos apoiaram e que apoiaram até ao último minuto. E aos outros, os negativos, por favor fiquem em casa, porque não é bom para a equipa, se não estiverem felizes com o que os jogadores fizeram [com o Farense], como adeptos do Benfica fiquem em casa. Não podemos jogar melhor, lutar mais, ser mais equipa, se não estiveram felizes com esta equipa por favor fiquem em casa, não podemos fazer melhor. Se não são capazes de apoiar a equipa quando esta põe tanto esforço no jogo, então é melhor ficarem em casa e voltarem quando formos campeões e celebrarmos no Marquês de Pombal. Fazê-lo assim é autodestruição, se não respeitamos os jogadores, o treinador, o Benfica, é melhor ficar em casa, é o meu feeling. […] Se o problema sou eu, fácil, eu saio.»

Uma volta inteira depois e com o título praticamente perdido, o adeus à Taça de Portugal e Taça da Liga e eliminação nos quartos de final da Liga Europa, eis que a máquina trituradora da Luz pode voltar a entrar em ação.