A má sorte de um «chuto ruim» e um guarda-redes em cadeira de rodas na primeira vez do Benfica contra o Inter (e não só…)
Costa Pereira (em cadeira de rodas), guarda-redes do Benfica, à chegada a Lisboa vindo da final da Taca dos Campeões Europeus Benfica - Inter de Milão (0-1) realizada no Estádio de San Siro, em Milão, em Maio de 1965. (Foto: ASF)

A má sorte de um «chuto ruim» e um guarda-redes em cadeira de rodas na primeira vez do Benfica contra o Inter (e não só…)

INTERNACIONAL02.10.202322:30

Dramática foi a final da Taça dos Campeões Europeus que os benfiquistas foram obrigados a jogar em San Siro – e não apenas por aquilo que aconteceu a Costa Pereira. Com Germano na baliza e o Benfica com 10, o Inter não conseguiu fazer mais nenhum golo, o que Jair marcara deu-lhe a vitória. Espantoso foi o que aconteceu até se chegar a essa noite – havendo até pelo caminho uma estrela de Hollywood…

A primeira vez que o Inter se cruzou com clube português na Taça dos Campeões (que na temporada de 1992/93 passaria a denominar-se Liga dos Campeões) foi com o Benfica, num jogo dramático (sobretudo para Costa Pereira…) que até pôs um alemão a falar da UEFA como uma «instituição mentalmente atrasada»…

LUXEMBURGUESES COM… «CUIDADO DE METER O PÉ»

Essa Taça dos Campeões Europeus (de 1964/1965) arrancou para o Benfica com duas goladas diante do Aris Bonnevoie. Nos 5-1 no Luxemburgo, houve quatro golos de José Torres – e quando Eusébio fez o seu (pouco antes do intervalo) viu-se Elek Schwartz a dar indicações aos seus pupilos para que travassem o ímpeto e talvez por isso na segunda parte tivesse havido apenas um golo para cada lado, num arrastado correr de marfim: «Sim, é verdade que dei ordens para pararem aquele ritmo e, no balneário, reafirmei-as: não valia a pena! Os rapazes do Luxemburgo estavam a ser de uma grande lisura, direi mesmo de alguma simpatia, com cuidado a meter o pé, não fosse alguém aleijar-se...»  

António Simões, marcador de um dos golos na goleada ao Aris em que os assobios dos benfiquistas irritaram Mário Coluna. Foto: ASF

Mantendo-se nos luxemburgueses esse futebol cortês, na Luz repetiu-se o 5-1. Torres voltou a marcar, mas a mão cheia fez-se de outros pés: dois golos de Eusébio, um de José Augusto, um de António Simões – e o mais estranho da noite talvez tenham sido assobios soprados das bancadas para o campo, deixando Mário Coluna aborrecido (e sem o esconder): «Nós, os jogadores estamos todos satisfeitos com a exibição. O que não estamos é satisfeitos com os assobios. Lamentamo-los porque os sabemos desnecessários e injustos, pois se à exibição podem ter faltado mais golos, cinco golos são sempre cinco golos e os luxemburgueses não são tão maus como se quis fazer querer».

COMO ANTÓNIO SIMÕES (O CAMPEÃO MAIS JOVEM DA HISTÓRIA) CONTA O GOLO DA VIDA DE EUSÉBIO

Mais alvoroçado foi, depois, o jogo com os suíços do FC La Chaux-de-Fonds. Lá, no vilarejo do cantão de Neuchatel, onde nascera Louis Chevrolet (o construtor de automóveis), José Torres fez golo logo aos 8 minutos. Desataram os suíços em jogo mais ríspido – e nem o facto do seu guarda-redes agarrar as pernas de Eusébio bastou para que o árbitro assinalasse penálti. Jacinto e Vuilleumier envolveram-se em escaramuça e foram ambos para a rua. O empate surgiu ao minuto 39 por Antenen – e no Zurich Tages Awzeiger escreveu-se: «Apenas por muita sorte o FC La Chaux-de-Fonds não foi derrotado por um considerável número de golos e foi por ainda mais pura sorte que a bola atirada à baliza do Benfica lá entrou». 

Eusébio a felicitar o guarda-redes do La Chaux-de-Fonds que lhe bateu palmas pelo golo que ainda hoje entusiasma Simões. Foto: ASF

Dos 5-0 da segunda mão ao La Chaux-de-Fonds soltou-se mais um pedaço de imortalidade dos pés de Eusébio – num golo que tanto, tanto tempo depois, António Simões (que era, então, o que continua a ser: o mais jovem campeão europeu da história – ao conquistar com 18 anos e 139 dias a Taça dos Campeões de 1961/1062 ao Real Madrid) ainda tira em poesia da sua memória: «Aquele golo do Eusébio no 3-0, meu Deus! Quando o vejo a fazer aquilo com a bola vejo a figura do Pelé no Eusébio e a figura do Eusébio no Pelé. As imagens misturam-se. Se transformar esse golo em música ponho os auscultadores e fico à noite a ouvir aquela faixa vezes sem conta, sem nunca me cansar. É um bailado, com música refinada, uma obra de arte. Tudo o que o Eusébio faz nesse golo é sincronizado: a capacidade técnica, a velocidade, a potência do remate. Para mim é, pois, o golo mais atrativo da sua carreira.»

Logo nessa noite, o autor da obra-prima não discordou: «Apareceram os dois centrais dos gajos, ameacei e o primeiro protegeu a cara, ameacei outra vez e o segundo protegeu a cara. Depois rematei sem a bola cair. Toda a gente festejava à minha volta. Quando olhei para o lado vi o guarda-redes a bater palmas, a correr para mim para me felicitar por aquilo. Graças a Deus não foi a primeira nem a última vez que isso aconteceu – e é capaz, é bem capaz de ser o melhor golo da minha vida...»

A MARCAR O PRESTÍGIO DO BENFICA, UMA ESTRELA DE HOLLYWOOD…

Kenneth Wolstenholm, o comentador de futebol da BBC mais famoso de Inglaterra que transformava os seus rankings em autênticas questões de fé – colocou esse Benfica de Elek Schwartz entre as três melhores equipas do mundo, atrás do Real Madrid e à frente do Santos – e Eusébio entre os cinco melhores jogadores, atrás de Pelé e à frente de Greaves, Rivera e Van Himst. 

Janette Scott, a estrela de Hollywood que foi Rainha de Carnaval no Casino do Estoril com a camisola do Benfica

Semanas antes, para Rainha do Carnaval de 1965, o Casino chamara ao Estoril uma estrela de Hollywood: Janette Scott – que, para o seu traje real, escolheu a camisola do Benfica (e, em vez de calções, tinha, ainda mais sensual, uma «tanga de praia» que se usada pelas areias de Portugal daria multa de 5000 escudos – um conto mais do que o ordenado que Eusébio tinha, então, no Benfica). 

Querendo organizar-se passagem de modelos em lingerie (por onde andaram igualmente cintas e corpetes), para tal teve de se escolher, muito escondidinha, uma sala de hotel, no Ritz. Nenhuma portuguesa aceitara dar-se a essa «exposição de privacidade» - e as estrangeiras que não se importaram, receberam 1500 escudos (que equivaleriam, hoje, a menos de 645 euros).

Germano com António Simões ao colo na festa dos 5-1 ao Real Madrid. Foto: ASF

NO QUE SE ACHAVA «FINAL ANTECIPADA», CINCO AO REAL

Por entre o fervor do Carnaval (e o alvoroço do resto…), recebeu o Benfica o Real Madrid. Sendo jogo para os quartos de final – logo se considerou a «final antecipada da Taça dos Campeões». Para a geral, os bilhetes puseram-se a 50 escudos, a central custou 250 – e quem foi, muito chique, ao Casino ver Janet Scott pagou 300. Aos 12 minutos, Eusébio ganhou a bola a meio-campo, foi deixando espanhóis especados no chão a verem-no a transformar-se em magia, do pé saiu-lhe deslumbramento que só parou ao fundo das redes de António Betancort. O relator da Rádio Nacional de Espanha rompeu o silêncio em que caíra com um brado apenas: «Eusébio es un fenómeno!» 

E não, não era só por causa daquele golo, era por tudo o que tinha feito ao longo dos 90 minutos – e Eusébio, ele próprio, haveria de fixar-se na convicção: «Para mim esse Benfica-Real é que foi o jogo da minha carreira. Da minha carreira e da história do clube, se calhar também». 

A goleada do Benfica ao Real começou com golo de José Augusto logo aos nove minutos. Foto: ASF

O 1-0 aparecera cedo, aos 9 minutos, através de José Augusto. Depois daquele seu momento de fogo poético no pé, Eusébio voltou a marcar aos 25 minutos (sim, aos 25 minutos já havia 3-0), Amancio reduziu aos 58, Simões fez 4-1 aos 75 e Coluna 5-1 aos 87.

A Santiago Bernabéu, presidente do Real, por entre o abalo da goleada, apanhou-se-lhe, ainda uma réstia de esperança: «O Benfica jogou muito bem e com muita sorte. Cada tiro uma perdiz, como se diz na caça. Pode ser que aconteça o mesmo em Madrid, mas a nosso favor.»

Paco Gento, o seu capitão, soltou de dentro de si ilusões a perderem-se: «Depois disto, só posso dizer: fomos muito bem eliminados…» - e, não o tendo sido ainda de facto, a Puskas o que se apanhou foi irritação à saída do balneário da Luz: «Só espero que em Madrid nos calhe um árbitro que nos roube!»

ÁRBITRO NÃO EXPULSOU JOGADOR DO REAL PARA NÃO LHES CAUSAR MAIS PROBLEMAS

Árbitro foi o escocês Philips (que logo se viu a ir além da sua defesa): «O Puskas está a queixar-se do que queria que fosse penálti? Quando Raul fez mão, já eu tinha apitado off-side do Puskas. E se quisesse causar transtornos ao Real, tinha posto Miera na rua. Só o adverti. Achei que expulsá-lo não seria justo porque, tal como outros jogadores do Real, era o cansaço que lhes causava os problemas, lhes dava a rispidez, era o cansaço que os obrigava a faltas mais duras porque de outro modo não conseguiam travar a maior velocidade dos portugueses. Mas olhem que o Real Madrid continua a ser uma grande equipa…

Eusébio na noite em que jornalista espanhol lhe chamou «Fenómeno». Foto: ASF

Em mais um sinal do fervor que o Benfica tinha em fogacho de lés a lés, no dia seguinte, correu pelos jornais anúncio com letra garrafais: Viva o Benfica! Era da empresa de Vasco Morgado – e prometia 50% a todos os sócios do Benfica que fossem nesse dia ao Monumental ver Laura Alves em A Rapariga do Apartamento, notando-se, porém, na sua publicidade que era «espetáculo só para adultos» - e, naquele tempo, em «nome da moral e dos bons costumes» não era sequer preciso ser subtilmente erótico para ser assim: «espetáculo só para adultos»…

Benfica a treinar junto ao Mosteiro do Escorial, antes de eliminar o Real. Foto: ASF

EM MADRID, «DESAGUISADO» ENTRE PUSKAS E COLUNA…

Na segunda mão dos quartos de final, o Benfica perdeu por 2-1 no Santiago Bernabéu – e de Costa Pereira se escreveu num jornal: «Foi o inimigo nº 1 do Real Madrid, a trave mestra da qualificação do Benfica». Aos 10 minutos, o golo de Grosso pôs o estádio em rebuliço – e o guarda-redes do Benfica num subtil lamento: «Saí da baliza com intenção de cortar o centro, mas com o vento a bola perdeu velocidade, hesitei, foi-me fatal.» 

Golo de Eusébio, aos 41 minutos, tronou ainda mais irreal o sonho do Real. No início da segunda parte Costa Pereira defendeu de Puskas penálti («do tamanho de um prédio acabado») – e, depois de, «num remate de catedrático, indefensável», ter feito o 2-1 (aos 70 minutos), Puskas voltou a falar do árbitro e de quezília em que se metera: «Muito mau, o árbitro… E entre mim e o Coluna, foi um pequeno desaguisado. Eu atingi-o quando não o devia ter feito, ele devolveu-me a questão, arranhando-me a cara. Mas, nada de grave, isso é futebol, agora já somos amigos de novo, tudo passado, tudo esquecido.» 

NÃO SENDO O LIVERPOOL, FOI A FINAL NA CASA DO FINALISTA (E O BENFICA SÓ PÔDE TREINAR DE… SAPATILHAS)

Eliminado o Gyor Vasas ETO, o Benfica apanhou a chave que lhe abriu a porta da final da Taça dos Campeões (que a UEFA já determinara que fosse no Giuseppe Meazza de Milão). O apuramento valeu a cada jogador do Benfica 24 contos. 15 pela passagem à final e três pela vitória de Budapeste. Os outros seis contos deveram-se a pormenor curioso na tabela de prémios: cada golo acima do resultado que garantia o apuramento valia mais 1500 escudos. (Andar de 5 assoalhadas a estrear na Amadora estava à venda por 250 contos – e um de 4 assoalhadas no Cacém custava 180). Elek Schwartz não escondeu o desejo: «Na final, quero o Liverpool, que, assim, jogaremos em campo neutro, logo com melhores possibilidades…»

Só a custo é que o Benfica pôde treinar em San Siro e, mesmo assim, de sapatilhas em vez de chuteiras. Foto: ASF

Não, não foi o Liverpool, foi o Inter (na defesa do título que conquistara ao Real) – e, não querendo a UEFA mudar o local do jogo, retirá-la do campo de um dos finalistas, a administração do San Siro ainda quis impossibilitar os benfiquistas de lá fazerem treino de adaptação. Que podiam ir ao relvado, mas só para... exercícios de ginástica (foi a justificação). Explicaram que a relva tinha 40 anos, estava gasta, tinham de se preservar. Elek Schwartz protestou com veemência, permitiram-lhe, então, uma «gentileza»: treinar com bola 30 minutos, mas nem um só minuto de chuteiras (e de sapatilhas o fizeram – Eusébio, todavia, nem isso fez…)  

No entretanto, andaram os jogadores remando pelo lago de Como. No hotel, aproveitando instrumentos da banda, os benfiquistas também se atreverem a sessão de cantorias, com Eusébio e Germano na voz, Torres na bateria e José Augusto na viola... elétrica. Ícone de Cernobbio, era o Villa d´Este a bordejar o lago – e num dos seus quartos, Orson Wells escrevera A Dama de Xangai, o filme que pusera Rita Hayworth em trágica sensualidade, inspirando-se na história de um amante morto exatamente nos seus corredores – nos corredores por onde já tinham cirandado também Alfred Hitchcock, Josephine Baker, Greta Garbo, Gina Lolobrigida, Sophia Loren (a Loren em filmagens deslumbrantes pelos seus jardins...) 

COMO EUSÉBIO ATÉ BEIJARA A NOIVA, NÃO HAVIA MEDO DO «FUTEBOL MANHOSO» DE HH

Desse cenário de encantos (e tragédias) partiram os benfiquistas para o jogo (a 27 de maio de 1965) – e, à sua espera em San Siro, não estava apenas o Inter na condição de campeão da Europa, estava igualmente o estridor de multidão em transe e a inclemência do tempo que transformaria o relvado quase numa piscina de lama. 

Criara-se superstição que apontava para que, quando, pelo hotel passava casamento, era vitória do Benfica pela certa. Como nessa manhã, no Villa D´Este, Eusébio até fora chamado a beijar a noiva –   não havia quem temesse, nem o ambiente, nem o futebol «manhoso e sádico» de Helénio Herrera (que no Belenenses começara por revelar o seu génio de treinador numa espécie de Mourinho antes de Mourinho) e que, no ano anterior, dera ao Inter a sua primeira Taça dos Campeões (ganha ao Real Madrid). 

Eusébio chamado à festa de casamento que se realizou no hotel onde o Benfica esperava a final de San Siro. Foto: ASF

O «GOLO RUIM» DE JAIR (QUE FORA PARA O INTER EM VEZ DE PELÉ)

Aos 42 minutos da final entre o Inter e o Benfica, Jair da Costa fez 1-0. Durante o Mundial do Chile, aparecera no hotel da seleção brasileira um italiano que se dizia jornalista e não era. Era Geraldo Sanella, esse foi o estratagema para entrar na delegação – e o que queria era saber se Pelé estava interessado em ir jogar para o Inter. Em dois dedos de conversa percebeu que o Santos nunca o permitiria – e, por isso, mandou dizer a Ângelo Moratti que tinha alternativa boa: o frenético extremo que jogava na Portuguesa dos Desportos, o Jair – que também não deixara de encantar Helénio Herrera, num treino, a que deitara, furtivo, olhar. 

Semanas depois, Jair da Costa estava em Milão – e, «delícia para o futebol de contra-ataque de HH», o golo que apontou ao Benfica contou-o assim: «O gramado estava molhado, saí da ponta direita, ganhei na corrida e quando chutei, escorreguei, não peguei bem na bola... Só que quando o goleiro foi para encaixá-la a bola passou por debaixo das pernas dele – e foi assim que um chuto ruim acabou sendo um gol muito bom, o melhor da minha vida.» 

COSTA PEREIRA DESOLADO COM A BOLA A ESCAPAR-LHE ENTRE AS PERNAS (E GERMANO NA BALIZA SEM SOFRER GOLO)

A Costa Pereira logo se apanhou ideia de «mal batido» (os mais críticos trataram-no como um daqueles «grandes frangos que só os grandes guarda-redes dão»…) – e confessou-o, desolado: «A bola estava pesada, escorregadia, houve um excesso de confiança da minha parte, pensei que seria defesa fácil e... Encaixei bem, mas, com a pressa de me levantar, para logo repor a bola em jogo, acabei por deixá-la escapar entre as pernas. E lembrar-me eu de que perdemos um jogo destes por causa de uma coisa assim, por minha causa.» 

Poucos minutos após, vendo-se incapaz de suportar mais as dores causadas por uma hérnia discal (que o obrigaria a que, no regresso a Lisboa, saísse do avião em cadeira de rodas…) – teve de abandonar o campo. 

Não havendo substituições, com Costa Pereira incapaz de continuar na baliza foi Germano para lá. Foto: ASF

Schwartz ainda cogitou mandar José Augusto para a baliza mas, para não tirar poder ao ataque, mandou Germano (de coxa elástica na perna direita, a esconder valente mazela). Tal como Eusébio, Germano jogara injetado com novocaína (para lhes fintar as dores) e, em cerca de meia hora, os italianos não lhe conseguiram marcar qualquer golo: «O Sarti teve muito mais trabalho do que eu, passou por bem mais tormentos. Por isso acho que tenho tido vitórias que me desgostaram muito mais.» 

«NA LUZ, LEVAVAM CINCO!», DISSE O RAÚL (E COLUNA JUNTOU-LHE: «BENFICA PROVOU QUE É A MELHOR EQUIPA DA EUROPA») 

Fechando-se assim a partida com 1-0 no placard, no seu final jogadores do Inter ovacionaram os do Benfica (que abandonava, sem exceção, o relvado de lágrimas caídas, umas mais grossas que outras)  – e a UEFA nem sequer cumpriu a preceito o protocolo da consagração: depositou, quase de escantilhão, as medalhas dos vencidos nas mãos de Coluna - para que ele as distribuísse pelos colegas! 

Para ir a jogo, Eusébio teve de ser injetado e, grande parte do jogo fê-lo, ainda assim, em dor. Foto: ASF

No balneário do Benfica, Schwartz queixou-se de um penálti por marcar – e, por entre vários companheiros que se mantinham em pranto, Raúl Machado exclamou: «na Luz, levavam cinco». Coluna achou que talvez não fossem tantos, mas vincou-lhe a ideia: «O Benfica provou que é a melhor equipa da Europa, se tivéssemos jogado em casa, como o Inter jogou em San Siro, teríamos ganho por três ou quatro». 

«UEFA MOSTROU-SE INSTITUIÇÃO MENTALMENTE ATRASADA»

Bem mais contundente que o de qualquer português, foi o ataque de um jornalista alemão: «Permitindo que a final da Taça dos Campeões se disputasse no próprio recinto do Inter, a UEFA mostrou-se instituição mentalmente atrasada

Cada jogador do Inter recebeu pelo título 235 contos (que segundo o conversor da Pordata seriam, hoje, 100 868,79 euros) Adolfo Vieira de Brito, o presidente do Benfica (que era irmão do presidente que ganhara a Taça dos Campeões ao Barcelona e ao Real) não deu aos seus jogadores os 40 contos que combinara para a vitória – deu-lhes... 50 000 escudos! (um Vauxhall VX 4/90 andava pelos 98 612 escudos). E, no regresso a Lisboa, viu-se (em mais uma expressão do drama de San Siro), Costa Pereira em cadeira de rodas…

Costa Pereira (em cadeira de rodas), guarda-redes do Benfica, à chegada a Lisboa vindo da final da Taca dos Campeões Europeus Benfica - Inter de Milão (0-1) realizada no Estádio de San Siro, em Milão, em Maio de 1965. (Foto: ASF)

APESAR DA DERROTA, SOVIÉTICOS QUERIAM O BENFICA EM MOSCOVO E A PIDE NÃO DEIXOU

Claro, a derrota não beliscara (bem pelo contrário) esse «alto prestígio internacional» que o Benfica tinha – e, por isso, andando-se por agosto de 1965, Albino André, diretor da agência de viagens TurExpresso, despachou de Moscovo para Vítor Santos (o chefe de redação de A BOLA) postal que dizia: «Se o Benfica estiver de acordo, do que não duvido, pois as condições são excelentes, poderá dar-se por certa a vinda da equipa a esta bonita cidade». 

Ao sabê-lo, Fernando da Silva Pais, do diretor da PIDE (a polícia política do regime) ordenou a um dos seus agentes «abertura de investigações». Albino André revelou que fora sugestão de Gastão Silva (diretor de futebol do Benfica) – e que, em Moscovo, logo lhe deram garantias de que da parte do governo soviético «não existia a mínima objeção» e que «até autorizava a que, não querendo fazer-se a viagem na Aeroflot, se abrissem extraordinariamente os aeroportos da URSS ao avião da TAP levasse o Benfica» (e que, depois, poderia vir a Lisboa o Spartak, clube do exército soviético, com Lev Yashine). E, num ápice se lhe exclamou que nunca mais ousasse sequer pensar em «coisa assim» e que descancelasse tudo de imediato – por não se querer «relação qualquer com comunistas».