«Não desejo a ninguém o que passei na Grécia»
Pedro Alves (foto de Miguel Nunes)

ENTREVISTA A BOLA «Não desejo a ninguém o que passei na Grécia»

INTERNACIONAL28.05.202405:00

Na primeira entrevista depois da passagem atribulada pelo Olympiakos, como diretor desportivo, Pedro Alves explica a A BOLA o que se passou no emblema grego (PARTE 1)

Nesta primeira parte da entrevista a A BOLA, Pedro Alves fala pela primeira vez da curta e atribulada experiência como diretor desportivo do Olympiakos. Foi contratado em novembro, levou Carlos Carvalhal para o emblema grego e teve de fazer uma pequena revolução no plantel. Pouco tempo depois foi afastado do cargo.

Foi apresentado como diretor desportivo do Olympiakos no final de novembro e pouco mais de dois meses depois o emblema grego anunciou um novo elemento para o cargo, Darko Kovacevic. O que é que se passou para esta etapa tão atribulada?

- Acho que é público que as coisas não correram bem. Os motivos ainda não posso abordar, até porque as pessoas também não estão presentes e não me ficaria bem dizer que foi por isto ou aquilo. A única coisa que tenho a dizer é que foi um prazer enorme - durante quatro meses, e não dois meses e meio -, estar num clube com a grandeza e com a história do Olympiakos, onde eu senti, pela primeira vez, o que é estar num clube muito grande, com adeptos fanáticos, muito apaixonados. Acabámos por iniciar a história a 1 de dezembro e saímos a 10 de fevereiro, eu e a equipa técnica do míster Carlos Carvalhal. Mas foi-me dada uma oportunidade, e hoje, tendo em conta a história recente, acho que foi uma experiência muito boa e um trabalho bem conseguido. Vamos ver o que é que acontece daqui para frente, mas acima de tudo a oportunidade que me foi dada, trabalhar num clube tão grande como o Olympiakos, para mim foi um orgulho.

- Pelo que percebo, até das palavras do Pedro, ao não se alongar sobre o tema, depreendo que é um diferendo que ainda está por resolver…

- Ainda hoje não sei a verdadeira razão da suspensão que eu tive durante dois meses e meio. Não quero ser dramático, mas foi um período de sofrimento constante, de passar por uma mudança da minha vida, não só em termos individuais, mas também pessoais, já que a minha esposa e as minhas filhas acompanharam-me neste processo de mudança para a Grécia. Isso, como é lógico, teve um impacto familiar negativo enorme, porque não é fácil essa gestão da expectativa, de ficarmos pelo menos dois anos e meio fora da zona de conforto. Houve uma mudança radical na vida das minhas filhas, uma de três anos e outra de seis, terem que passar por três escolas no mesmo ano letivo. Isso teve um impacto super negativo, mais na minha vida familiar do que propriamente a mim, porque já tenho um historial de vida vindo de baixo, sei o que é dificuldade, e isso fez-me uma pessoa madura, crescida, deu-me alguma capacidade de aguentar certas e determinadas coisas. Mesmo assim não estava habituado a estar preso em casa, durante dois meses e meio, sem qualquer tipo de explicação.

- Só para clarificar: o processo seguiu via judicial, é isso?

- Certo. Não houve qualquer tipo de acordo. Não sei quais são os motivos do clube, como é lógico. Eu sei quais são os meus, mas não vale a pena alongar. Como disse, as pessoas não estão aqui para se defender, acho que não ficaria bem estar a defender uma coisa sem as pessoas estarem presentes. Nos locais devidos, logicamente, vamos clarificar isso.

- Como é que o acompanhou, paralelamente, o processo de saída de Carlos Carvalhal? Isso interferiu na relação profissional que existia entre vocês?

- O míster Carlos Carvalhal foi uma agradável surpresa. Não o conhecia pessoalmente, nem à equipa técnica, e foi uma agradável surpresa. Hoje posso dizer que falo com ele e com a equipa técnica todos os dias, porque temos um grupo de whatsapp. Foi uma agradável surpresa especialmente na parte humana: são muito interligados, honestos, trabalhadores, extremamente competentes. Que fique bem claro que foi uma escolha minha, assumi-o desde a primeira hora, por tudo que era o passado do míster, porque eu acreditava e acredito nele, mas temos que ser honestos: o resultado não foi condizente com a sua própria qualidade. A verdade é que chegámos em 4.º lugar, a três pontos do primeiro, e saímos a nove pontos. Para um clube como Olympiakos acaba por ser curto, temos que ser sinceros e honestos. Mas isso não se deve rigorosamente nada à qualidade da equipa técnica, em especial do míster Carvalhal.

- Ao aceitar o convite já havia essa perspetiva de ter um mercado de janeiro muito movimentado?

- Quando existe uma mudança em novembro, princípios de dezembro, ou é sinal de que as coisas estão muito bem, e que as pessoas que lá estão foram para melhor, ou que as pessoas foram despedidas. Neste caso eu fui substituir o Antonio Cordón, que teve problemas não só com a direção, mas também problemas pessoais. Quando cheguei, o clube estava em 4.º lugar, tinha 29 jogadores, e fui informado que nove teriam que sair no início de janeiro e que teríamos que ir ao mercado. Quando fizemos uma análise fria do plantel, honestamente eu esperava que tivesse mais qualidade do que tinha. É a minha opinião, ninguém me contou, foi o que eu vi no dia-a-dia. Além de contratar uma equipa técnica, fosse ela portuguesa ou de outra nacionalidade qualquer, pediram-me também para organizar o departamento de scouting, que não existia, a não ser duas pessoas que lá estavam já, competentes, mas que trabalhavam à base de números e com pouca visualização de jogos ao vivo. Entre a ida ao mercado e a chegada de um treinador, tivemos sete jogos em janeiro, três deles dérbis com o Panathinaikos, e não ganhámos nenhum. Há que assumir que a equipa tinha algumas debilidades, tanto que contratámos sete jogadores, e que fique claro que foram contratados em função do clube e não em função do treinador ou do diretor desportivo, porque aquilo é o Oympiakos e não o FC Carvalhal ou FC Pedro Alves. Não tem nada a ver com a nacionalidade, não tem a ver com a Armada Portuguesa, como eu já li. É que a Armada Portuguesa, mal ou bem, está na final da Liga Conferência. Mas quem não sente não é filho de boa gente, e eu ouvi profissionais na minha área, alguns até amigos, a dizer que nós fomos vítimas do mercado de janeiro. Mas desses sete jogadores há cinco que jogam constantemente, sendo que na Europa só jogam três porque não existiam mais vagas de inscrição. Até os scouts que levei, o Luís Guimarães e o Ricardo Faria, continuam lá, é sinal que têm qualidade. Ainda relativamente ao mercado, acho que foi a primeira vez na história do Olympiakos que apresentaram dois jogadores logo no dia 1 de janeiro. Eu e a equipa técnica fomos vítimas um pouco da circunstância, também entre lesionados e jogadores que foram para a CAN. El Kaabi, melhor marcador esta época, foi embora no dia 27 de dezembro e regressou a 5 de fevereiro. El-Arabi, que se lesionou um mês, é o melhor marcador da história do Olympiakos. O Mady Camara não quis renovar e que foi para a equipa B, onde ainda está. Com todas essas circunstâncias, toda esta turbulência, é normal que o caminho demore o seu tempo, e aquilo que eu conheci do míster Carlos Carvalhal e da equipa técnica é que são pessoas de processo, demoram algum tempo a implementar a sua ideia de jogo e a terem resultados. E com a qualidade que trouxemos, é bem evidente aquilo que é hoje o Olympiakos.

- A parte mais difícil de todo este processo foi largar, por assim dizer, essas pessoas que levou para a Grécia?

- Essa pergunta é extremamente importante. Não desejo a ninguém estes meus últimos dois meses e meio na Grécia. Não desejo isso a nenhum inimigo. Devo tê-los, mesmo que não os conheça, mas não desejo isso a ninguém. Acho que é de realçar aquilo que eu passei após a minha família voltar para Portugal e eu ficar sozinho na Grécia, suspenso, sem poder deslocar-me fosse para onde fosse. Tenho que fazer um agradecimento especial a três jogadores - Chiquinho, David Carmo e Horta -, que nunca me abandonaram. Vão viver para o resto da minha vida no meu coração, pela forma como entenderam o espaço deles, e ao mesmo tempo nunca me abandonaram. E depois o Luís e o Ricardo, os meus scouts. Se eu amanhã assinasse por um clube em que tivesse condições para isso, ia buscá-los, pela competência que têm, não por serem meus amigos. E é uma palavra de apreço, porque tenho que ser grato. Acho que foram pessoas extremamente importantes, acabaram por ser os meus filhos, na ausência das minhas verdadeiras filhas. E isso foi fundamental.