BÉRGAMO – A beleza emana história, fascínio, charme. Uma cidade dividida em duas: A cidade alta (Città Alta) e a cidade baixa (Città Bassa). É fácil sermos transportados para tempos medievais, cada cantinho parece contar uma história. Ao vaguear pelas ruas empedradas sentimos o clima fresco, com a neve dos Alpes mesmo ali ao lado. Todos os caminhos, exceto aqueles que procuram o comércio, levam-nos para alguns bairros medievais, no ponto mais alto da cidade. Pois é ali que está o orgulho do povo de Bérgamo que recebe com agrado todos os visitantes. Explicando o verdadeiro significado das altas muralhas venezianas que cercam toda a Città Alta. Estendem-se por cerca de seis quilómetros e podem chegar a impressionantes 50 metros de altura. Imponentes. Um valor artístico que, em julho de 2017 foi incluída no património da UNESCU. Mas o que tem, então, de especial estas muralhas construídas quando Bérgamo era território da República de Veneza? A resposta é simples: porque aquelas muralhas significam toda a força de uma cidade que se conseguiu proteger de todas as investidas dos ‘inimigos’ de Milão, franceses e espanhóis que viam Bérgamo como um local estratégico para se expandirem. Tanto a protegeu que acabou por nunca ser atacada. Manteve-se sempre intacta até aos dias atuais. Nunca ninguém, sequer, as ousou derrubar. Quem sabe até esta… quinta-feira, dia em que a cidade de Bérgamo receberá o Sporting para um jogo decisivo, uma final, para definir qual será a equipa que seguirá para os quartos-de-final da Liga Europa. Curiosidade, ou talvez não, na entrada principal das muralhas venezianas, está colocado um pequeno campo de futebol, duas balizas, relva gasta e uma bola perdida, mesmo encostada a uma das fortificações mais imponentes da Europa. Ainda tentamos questionar como aquele campo nasceu, mas ninguém sabia ao certo. «Começou para os miúdos brincarem e foi ficando por ali... Mas dá um ar mais bonito a este monumento, não acha?», questiona-me um senhor que ia oferecendo ajuda para tirar fotografias. Um clube, uma deusa Itália é futebol, mas não só. A paixão por outros desportos está bem vincada em cada esquina ou quiosque. E é fácil encontrar alguém que não torce apenas pela La Dea, a Deusa. Sim, a Atalanta é um dos poucos clubes no mundo que consegue unir o futebol à mitologia grega, pois a figura do escudo do clube é uma heroína da mitologia helénica. Voltando ao início, além do futebol, rapidamente conseguimos falar de outros heróis italianos, muitas vezes de desportos motorizados. Com brinquedos alusivos à F1, capacetes de antigos pilotos, carros da Ferrari, tudo de alta cilindrada. O assunto vai mudando assim que nos aproximamos do Estádio Atleti Azzurri d’Italia, conhecido pela designação comercial Gewiss Stadium, casa da Atalanta. «Vocês são de Portugal? É aqui que vai jogar o Sporting de Lisboa», perguntam-nos. Sim, apesar da insistência, é algo que os leões ainda não conseguem mudar. Tentamos explicar que se tratava do Sporting Clube de Portugal. «Mas fica em Lisboa, certo?», dizem. Maldição italiana O Sporting para estar nos quartos de final terá de fazer algo que nunca conseguiu no seu longo e rico historial: vencer em Itália. E não faltaram oportunidades. Contas feitas, em todas as competições, os leões já jogaram em Itália em 17 ocasiões. Com quase metade das equipas da Série A: Atalanta, Inter, Juventus, Fiorentina, Bolonha, Udinese, Lazio, Roma, Milan e Nápoles. Saldo? 12 penosas derrotas e 5 empates. Rúben Amorim, que ao longo destes anos em Alvalade, já quebrou alguns enguiços, como vencer na Alemanha (Eintrach Franfurt) e Áustria (Sturm Graz), tem esta quinta-feira mais uma (má) tradição para evitar. Diante de um adversário em franco crescimento no futebol italiano, impulsionado pelo veterano Gian Piero Gasperini, técnico de 66 anos, que transformou La Dea com uma identidade mais feroz, aguerrida, de combate e que vai crescendo nas infraestruturas e se nivelando com alguns colossos da Série A. Um crescimento visto na expansão do estádio mas também no seu centro de estágios, no Bortolotti Training Centre, um complexo com sete campos de relvado, restaurantes, ginásios e muitas áreas verdejantes situadas a escassos quilómetros do centro da cidade. Liga Europa, porque não? Atalanta e Sporting parecem equipas, intimamente ligadas. Seja dentro de campo, com treinadores que incutiram um renovado ADN do clube, o sistema de jogo e um desgaste de uma temporada intensa que se aproxima das decisões. Nenhuma delas, curiosamente, também assume a Liga Europa como ‘o’ objetivo da época. Mas pelas ruas, sente-se um sentimento diferente. Com todo o simbolismo que um troféu europeu poderia trazer. E se Gasperini ou Rúben Amorim continuam a apontar em outras direções, na realidade esta Liga Europa poderá trazer um prestígio europeu inigualável para os seus historiais. Um jogo de espelhos, de muitos duelos, numa batalha que Bérgamo não quer perder.