Espaço Universidade Ver Longe… (artigo de Gustavo Pires, 110)
O Primeiro-ministro, relativamente ao caso Marega, colocou nas redes sociais a sua indignação afirmando que condena “todos e quaisquer atos de racismo, em quaisquer circunstâncias”. E acrescentou a sua “total solidariedade com Marega, que no campo provou ser não só um grande jogador, mas também um grande cidadão”.
Apoiado mas não chega. Desde logo porque o caso Marega é uma das anomalias mais significativas do futebol que ameaça propagar-se por todos os espetáculos desportivos.
Por isso, o Primeiro-ministro para ser consequente com a sua indignação deve ir às causas do problema porque já são demasiados os factos que, em matéria de desporto, começam a manchar o nome de Portugal. Temos as mais baixas taxas de prática desportiva da Europa e, em consequência, aí está o racismo com todo o esplendor da sua boçalidade.
O desporto na sua prática nunca foi racista. As imagens obtidas nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936) do alemão Luz Long a confraternizar com o americano Jesse Owens são uma das provas mais concludentes disso. O racismo surge quando o espetáculo pelo espetáculo prevalece, em regime de exclusividade, sobre a prática desportiva pela prática desportiva. Quando tal acontece, valores extrínsecos ao desporto tal como o bairrismo, o clubismo, o nacionalismo, a xenofobia, o racismo, o ódio, o terror e a morte, prevalecem sobre os valores intrínsecos ao desporto como, entre outros, a amizade, o respeito, a cooperação, a beleza do movimento, o prazer do esforço e do rendimento, a superação, o recorde e vitória em nome de um ideal ao serviço do desenvolvimento humano.
Por isso, devido ao estado caótico em que o Sistema Desportivo nacional se encontra, nunca será com o atual Programa de Governo para a área do desporto do qual se desconhecem os projectos e os programas devidamente articulados no espaço e no tempo tendo em consideração as modalidades e os vários sectores de prática desportiva que, algum dia, estas questões serão resolvidas. Sem educação desportiva promotora de cultura e civilidade, por mais autoridades para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto que se instituam, por mais prisões, julgamentos, condenações que possam acontecer, a situação tenderá sempre a piorar.
O que tem acontecido nos últimos anos é que os governos, ignorando a promoção da educação desportiva, despejam acriticamente milhões de euros no rendimento desportivo a fim de alimentar o espetáculo e, depois, esperam que a generalidade das pessoas que frequenta os recintos desportivos se comporte como quem vai à ópera.
Sugiro ao Primeiro-ministro que, para além das chefias que de há longos anos a esta parte, por ação ou omissão, instituíram um silêncio insuportável que caracteriza o pântano desportivo nacional, providencie no sentido de ser constituído um grupo de trabalho independente e multidisciplinar que, no prazo de seis meses, elabore as linhas mestras de uma plano estratégico para o desporto nacional que, do ensino ao alto rendimento, apresente um conjunto de propostas devidamente objetivadas, a desencadear a partir de um acordo de regime interpartidário com início no Ciclo Olímpico de Paris (2020-2024), tendo em conta um horizonte temporal de três Ciclos Olímpicos.
Trata-se de, parafraseando Gaston Berger, ser capaz de ver longe e com amplitude, analisar em profundidade, arriscar e pensar no desenvolvimento desportivo do País ao serviço de todos os portugueses.
A não ser assim, o vergonhoso caso Morega será, tão só, o precursor daquilo que está para vir.
Gustavo Pires é professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana