Para uma nova cultura de vela (artigo de José Leandro)

Espaço Universidade Para uma nova cultura de vela (artigo de José Leandro)

ESPAÇO UNIVERSIDADE02.10.202113:35

Não perguntem o que é que o desporto da vela pode fazer por vocês …
 

O entusiasmo que temos pelo desporto da vela leva-nos sempre a desejar fazer mais e melhor. É natural porque a competição é uma constante da vida. Não há desportista que não deseje ser mais rápido e mais forte, para poder ir mais longe. E se os técnicos que os treinam e orientam devem envolvê-los numa pedagogia de vitória justa, nobre e leal, os dirigentes têm de ser capazes de encontrar as melhores soluções para que eles, em busca da superação e da excelência, possam atingir os seus próprios desejos, consigam os objectivos idealizados com os seus técnicos, sejam um exemplo para a juventude e cumpram os compromissos assumidos com o País através da FPV.
 

Assim sendo, para além da gestão administrativa e desportiva corrente que, de acordo com o standard desportivo e as rotinas determinadas nacional e internacionalmente, qualquer equipa dirigente da FPV deverá ter como grande objetivo estratégico dar início a uma transformação cultural no seio do desporto da vela que passa por uma mudança de mentalidades, de atitudes e de comportamentos. Quer dizer, não nos devemos comprometer a fazer mais se não formos capazes de fazer melhor.

E porquê?
 

Porque, perante os dados conhecidos da situação do desporto da vela, no quadro das dificuldades sociais e económicas que o país, seguramente, vai viver nos próximos anos, em contraponto com ilusórias promessas quantitativas, só vamos ter sucesso se optarmos por uma estratégia de qualidade que conduza o desporto da vela ao prestígio de outrora.
 

Assim sendo, a pergunta que orienta esta candidatura que desejamos partilhar com todos os agentes do desporto da vela é a seguinte:

Como é que podemos desenvolver o desporto da vela no quadro dos constrangimentos de uma sociedade em plena crise sanitária, social, económica e política a transitar do paradigma industrial para o pós-industrial?
 

Comecemos por lançar um breve olhar sobre o passado recente do desporto da vela:

1.      Nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) foi, brilhantemente, conquistado um pódio;

2.      No ano de 2000 foram contabilizados 2712 velejadores federados. Em 2018 foram contabilizados 1640 velejadores federados;

3.      Em 2018 a Taxa de Descarte de velejadores júnior foi de 70%; (IPJD)

4.      No ano de 2000 foram contabilizados 70 clubes com atividades no âmbito do desporto da vela. No ano de 2017 foram contabilizados 86 cubes. (IPJD)

5.      Os centros náuticos da tutela da educação não respondem minimamente às necessidades;

6.      No ano de 2000 a FPV recebeu do Estado 1.444.595€, no ano de 2017 recebeu 782.000€. (PORDATA)

Se analisarmos a situação podemos concluir que:

1.      Não se conhecem quaisquer significativas vantagens que possam ter decorrido para o desporto da vela do pódio de Atlanta (1996);

2.      Do ano 2000 até ao ano de 2018 a FPV perdeu 1070 velejadores o que corresponde a uma quebra de 40%.

3.      A Taxa de Descarte de 70% do desporto da vela, no quadro da média do desporto nacional de 86 %, revela uma Taxa de Fidelidade da modalidade que deve ser valorizada;

4.      Do ano 2000 até ao ano de 2017 aconteceu um aumento de 16 clubes envolvidos no desporto da vela. Fica por esclarecer como é que uma modalidade desportiva que perde 40% de praticantes pode aumentar o número de clubes;

5.      Comparando o orçamento do ano 2000 com o de 2017 verificamos uma diferença de 662.595€ que corresponde a uma diminuição de 46%.

o somatório das perdas anuais no período em causa estimamos que a FPV deixou de receber da tutela uma verba superior a 4 milhões de euros.
 

Se a esta realidade acrescentarmos as condições socioeconómicas do país, as dificuldades económicas e financeiras dos clubes, das autarquias, das famílias e os custos crescentes dos equipamentos, temos de convir que é imperioso encontrar uma solução de desenvolvimento que se ajuste a uma sociedade em transição do paradigma industrial para o pós-industrial num país de fraca cultura desportiva a viver um tempo de grandes dificuldades.
 

Entretanto, podemos estar certos se continuarmos com a mesma atitude, os mesmos métodos e os mesmos procedimentos, nunca seremos capazes de inverter a tendência de desvalorização do desporto da vela no âmbito do desporto nacional e do próprio País.
 

A nossa perspetiva de desenvolvimento passa pela assunção de duas linhas estratégicas de fundamental importância:

1.      Promover no país uma cultura que assuma o desporto da vela como um catalisador de fundamental importância na afirmação de uma identidade nacional com verdadeiras raízes na história dos portugueses. Temos de voltar às origens. À cultura do mar, às memórias da epopeia marítima que é a imagem de marca onde o desporto da vela deve estar ancorado.

2.      Para além dos progressos científicos e tecnológicos, a economia do mar, geradora de desenvolvimento e progresso do País, constrói-se a partir: 1º- Dos conteúdos dos programas escolares das diversas disciplinas; 2º- Do ensino e da prática da arte de velejar continuada ao longo da vida; 3º- Das virtualidades do alto rendimento e da honrosa participação nos Jogos Olímpicos.
 

Em conformidade, a equipa que tenho a honra de liderar, entende que não faz qualquer sentido continuarmos a gerir a FPV com a lógica quantitativa do passado se, realmente, quisermos alterar a tendência para a insignificância para onde o desporto da vela está a navegar.
 

Então o que fazer?

Temos de começar a construir uma nova cultura político-administrativa que dê um sentido de responsabilidade partilhada ao desenvolvimento do desporto da vela. Um desporto que:
 

1.      Não terá nem muitos nem poucos velejadores, terá aqueles que resultarem dos programas e projetos implementados nos clubes e desenvolvidos pelos mesmos;

2.      Não terá nem muitos nem poucos treinadores, terá melhores e os necessários;

3.      Não terá nem muitos nem poucos dirigentes, terá os que voluntariamente se envolverem;

4.      Não terá nem muitos nem pouco árbitros, terá os melhores e os necessários para garantir competições justas;

5.      Não terá nem muitos nem poucos clubes, terá os que regionalmente garantirem ser possuidores do credo e da vocação necessários que lhes permita contribuírem para o desenvolvimento do desporto da vela;

6.      Não terá nem muitas nem poucas classes de vela, terá aquelas que, através das suas associações, contribuam efetivamente para o desenvolvimento do desporto da vela;

7.      Não terá nem muitas nem poucas competições nacionais e internacionais, terá aquelas que resultarem das dinâmicas locais desencadeadas pelas Associações Regionais de Vela (ARV) e respetivos clubes;

8.      Não terá nem muito nem pouco financiamento público, terá aquele que conseguirmos justificar junto da tutela a partir da qualidade da concepção e do planeamento das ARV e da capacidade executiva dos clubes de vela.

Assim sendo, a estratégia operativa passa por sermos capazes de encontrar o ponto de equilíbrio entre: 1º- A realidade económica, social e política do País; 2º- A dinâmica das Políticas Públicas em matéria de desporto; 3º- A nossa capacidade de mobilização.

É necessário apostar:

1.      Na sustentabilidade social, económica, política e desportiva do desporto da vela que passa por uma gestão parcimoniosa dos recursos tangíveis, mas, sobretudo, dos intangíveis que, embora muito esquecidos, são o bem mais precioso da nossa modalidade;

2.      Na eficiência dos processos porque só eles podem garantir a eficácia de resultados desportivos credíveis porque sustentados. Para além das virtualidades dos velejadores e treinadores;

3.      Na delegação de competências, poder e autoridade para que possamos olhar para o desporto da vela a partir da base do sistema onde as práticas desportivas acontecem. É necessário considerar o desenvolvimento do desporto da vela a partir das ARV e dos clubes. É lá que devem estar as competências de concepção e execução que, em termos das políticas públicas delegadas, devem ser potencializadas pela FPV;

4.      Na regionalização porque o desporto da vela só recuperará o prestígio a que tem direito no âmbito do desporto nacional se conseguirmos ultrapassar o centralismo burocrático que delimita o próprio desenvolvimento do país. As novas tecnologias da comunicação permitem à FPV trabalhar em tempo real com as ARV;

5.      Na capacidade de envolver todos os agentes a começar pelas ARV e os Clubes, a fim de, em conjunto, determinarmos uma situação desportiva ideal a fim de, de Ciclo Olímpico em Ciclo Olímpico, melhorarmos o Nível Desportivo do desporto da vela no quadro do Nível Desportivo do país.
 

A nossa proposta passa por desenvolver o desporto da vela não a partir das grandes diretivas estratégicas desencadeadas a partir de Lisboa, mas a partir da capacidade de mobilização dos clubes enquadrados pelas ARV que, numa dinâmica de corresponsabilização com a FPV, a partir dos recursos disponíveis, determinarão, a quatro anos e anualmente, a afetação dos recursos em função de uma coerência sistémica, orgânica dos grandes objetivos partilhados.
 

Em conclusão, a grande transformação cultural que desejamos imprimir no desenvolvimento do desporto da vela é aquela que nos leva a perguntar-vos - o que é que vocês podem fazer pelo desporto da vela?