Espaço Universidade Os primórdios do Jujutsu em Portugal (artigo de Vítor Rosa, 147)
Em artigo recente, demos conta das primeiras imagens sobre as artes marciais orientais (jujutsu e kendo) em Portugal, que foram reveladas pela revista Illustração Portugueza (n.º 79), de 26 de agosto de 1907, quando da passagem de um navio por Lisboa, e da presença de Sada Raku Uyenishi, de 27 anos, mestre japonês, que esteve em atuação no Coliseu. A sua figura magra (59 kg) desiludiu os espetadores presentes, dado que se aguardava uma figura forte e musculada. Mas com as suas demonstrações, os risos foram-se desvanecendo e os olhos passaram a dar uma outra atenção ao nipónico. Houve até quem o quisesse desafiar, mas as forças e as técnicas de Raku foram invencíveis. Raku afirmaria que quando chegou ao Reino Unido venceu “o campeão dos médios e dos pesados da Inglaterra – Gruhn, e desde então todos os campeões de lucta que comigo se têm encontrado têm sido derrotados por mim” (Tiro e Sport, n.º 370, 1908, p. 9).
Importado do Japão, o jujutsu tornou-se uma moda e generalizou-se na Europa. Esta modalidade oriental foi apresentada inicialmente em atuações de circo e em alguns clubes desportivos. Os mestres nipónicos de jujutsu encontraram na Europa um mercado de trabalho. O jujutsu foi reconhecido como um meio de defesa pessoal, tendo elementos favoráveis para a educação física.
Portugal não ficou indiferente a esta prática oriental.
A partir de 1908 o Centro Nacional de Esgrima promoveu um curso de jujutsu. A responsabilidade dessa formação coube a Imagiro Hayashi, diplomado das Escolas Bujitsudensukai e Nóngákukó de Osaka. Cursava também uma formação de massagista.
Depois de ter deambulado por várias cidades europeias, Hayashi encontrou Raku em Inglaterra, que o convidou a atuar com ele no Coliseu de Lisboa, quando o seu compatriota ali se apresentou pela segunda vez. Um repórter da Illustração Portugueza foi assistir, tendo elaborado uma notícia e tirado algumas fotografias. A lição estava a ser dada a dois jovens, de 12 e 14 anos: Augusto de Almeida Vasconcellos e Jeronymo d’Almeida Vasconcellos.
O jujutsu não requer grandes esforços musculares. O “segredo” está em saber manter o equilíbrio do próprio corpo e de fazer perder o equilíbrio do corpo alheio. É uma “ciência”! Deriva dos conhecimentos empíricos adquiridos ao longo de séculos, aperfeiçoados ou rejeitados.
Fala-se muito dos homens do jujutsu, mas pouco sobre as mulheres. A Illustração Portugueza (n.º 204), de 17 de janeiro de 1910, dá-nos conta da primeira mulher lutadora de jujutsu em Portugal. Chama-se Roberts, de origem de uma família londrina, irmã de mais onze irmãos. É franzina, loura, com uma longa trança caída pelas costas.
Começou esta prática com 15 anos de idade. Exibiu as suas técnicas aos reis de Inglaterra, de Espanha e de Portugal. É considerada a primeira mulher que trouxe esta prática oriental para Portugal. Casou com um japonês, Hirano, lutador de jujutsu. Relativamente a Hirano, sabe-se que deu lições de jujutsu nas cidades de Lisboa e Porto, tendo vindo a morrer afogado na praia de Sta. Cruz, concelho de Torres Vedras, em 1915. O seu corpo nunca apareceu.
Referências:
Illustração Portugueza (n.º 139), de 19 de outubro de 1908.
Illustração Portugueza (n.º 204), de 17 de janeiro de 1910.
Tiro e Sport (n.º 370), de 10 de janeiro de 1908.
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa