Espaço Universidade O que se entende por Budô? (artigo de Vítor Rosa, 63)
O conceito de “Budô” implica uma complexidade de considerações que, a nosso ver, potencialmente diferenciam a prática das artes marciais “orientais” de quaisquer outros desportos.
O Budô, palavra de criação japonesa, e que define as artes marciais tradicionais, compõe-se de um conjunto de duas palavras chinesas: “wu” (japonês: “bu”), guerreiro, armas, e “dao” (japonês: “dô”), via, caminho em direção ao conhecimento, com a conotação moral do aperfeiçoamento de si mesmo. O “bu” significa o que é viril e forte. Na época de Edo (1603-1868), durante o qual o Japão se fecha ao Ocidente, a palavra “Budô” assumiu um sentido mais amplo. Ela designa sempre uma via que deve seguir o guerreiro, englobando todos os “bugei”, diferenciados em diferentes disciplinas sistematizadas em imensas escolas, mas ele assume, sobretudo, uma conotação ética mais clara ao ponto de se confundir com o termo “bushidô”, a via do samurai.
Para se designar as diferentes disciplinas, empregava-se geralmente as palavras do sufixo “jutsu” (técnica): jujutsu, kenjutsu, kyujutsu, etc. O hábito atual é de utilizar os termos com o sufixo “dô” (judô, kendô, kyudô, etc.). Estes termos conheceram uma vaga crescente, quando do aumento do militarismo nipónico, quando os ensinamentos do “Budô” se tornaram obrigatórios nas escolas para fortificar as virtudes guerreiras e, eventualmente, servir no combate.
O desenvolvimento das artes marciais na época Edo não é paradoxal. Ele explica-se pelo fato das artes marciais serem consideradas, pela sua vertente formativa, como um elemento maior na educação do samurai e como parte integrante do “bushidô”, a palavra que designa o código moral do guerreiro, suplantando outras antigas expressões, como “mononofu no michi”. Com o período Edo, a paz instalou-se, um mercado nacional se constituiu e uma economia monetária se desenvolveu. Os “bushi” (classe social) deixam de conhecer os combates reais e alguns passam por dificuldades, tendo que encontrar os meios de subsistência, dando “aulas” de artes marciais. Assiste-se, então, à eclosão de escolas de artes marciais. Aqueles que ensinam nesses locais, têm tendência a codificar o seu saber-fazer, a apresentar as “técnicas-receitas” melhores do que os seus concorrentes, universalmente reprodutíveis e suscetíveis de serem ensinadas a todas as pessoas.
A palavra “Budô” foi adotada e adaptada. É da responsabilidade dos mestres e adeptos japoneses (mas não só) preservar e desenvolver um património cultural, o Budô, e comunicar e transmitir aos outros. Para isso, é necessário ter uma visão abrangente do mundo do Budô, por forma a analisar e compreender a situação atual do Japão e de outros países.
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares de Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa