Espaço Universidade O desporto, lutas simbólicas e comparações (artigo Vítor Rosa, 213)
O desporto abre uma possibilidade quase infinita de lutas simbólicas, em que as instituições e os grupos sociais se vão entregar, não apenas para obter vitórias e troféus, mas, de forma mais escondida, impor significados particulares e distintivos ou oposicionais. A afirmação do princípio de autonomia “o desporto pelo desporto” ou “o amor pelo desporto” tornou-se uma justificação por excelência.
Procura-se justificar uma inculcação de valores morais e políticos, desconhecidos como tais, e que são amplamente aceites. Por exemplo, até aos anos 1930, em França e em Itália, os partidos socialistas recusaram a competição desportiva sob o pretexto de verem nela uma prática burguesa, gangrenada pelo espírito capitalista. O desporto é objeto de códigos mais elaborados, que, ao longo do tempo, se impuseram a título de verdade histórica ou de doxa sociológica. Examinaremos duas formas de interpretação deste tipo: a primeira, é o mito das origens helénicas do desporto, que se inscreve no contexto das guerras que conduziram à formação do Estado-nação grego no final do século XIX; o segunda, diz respeito à teoria de Norbert Elias (1897-1990) que associa o nascimento dos desportos modernos a um estádio avançado do processo de civilização, no exercício da função de controle da violência física constitutiva da génese dos Estados nacionais.
Estas interpretações visam um objetivo radical: não se pode falar mais de desporto como uma “coisa”, tendo propriedades intrínsecas. O desporto é uma construção social. Com ele procura-se impor uma forma de visão do mundo. Neste sentido, pensar sociologicamente o desporto não é uma coisa fácil. É preciso expor um conjunto de saberes e de crenças. Dado que as práticas desportivas são categorizadas e classificadas, os indivíduos constroem-se através delas como agentes sociais. E isso remete-nos para uma sociologia dos gostos, que nos permite compreender como os indivíduos percebem e comparam antes de agirem e de se investirem. A questão que se coloca é: porquê comparar e como comparar?
Vítor Rosa
Sociólogo, Pós-Doutorado em Sociologia e em Ciências do Desporto, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática.