Espaço Universidade Europa vs USA – O futebol a caminho do modelo americano (artigo de António Pereira)
O mundo do desporto, tal como muitas outras indústrias, está paralisado devido ao COVID-19. A globalização permitiu ao homem conhecer o planeta terra sem fronteiras para além das naturais, mas o podermos viajar por todo o mundo acabou por ter consequências imprevisíveis aos olhos de alguns.
A verdade é que pelo menos nos últimos vinte/trinta anos tornou-se possível estarmos hoje num local e passado 48h/72h estarmos a milhares de km, levando connosco a nossa mala, com aquilo que precisamos mais aquilo que desconhecemos como, por exemplo… vírus, que viajam à boleia e não são detetados nas máquinas de segurança dos aeroportos. Assim sendo, para mim a pandemia não é nenhuma surpresa, como era fácil de se prever, esperando eu que depois da «casa arrombada saibamos meter trancas na porta».
O desporto é das atividades que mais atenção tem dos média, seja eles escritos, falados, televisão, rádio, redes sociais, um sem fim de plataformas que criam e alimentam informação, desinformação, momentos altos, momentos baixos, alegrias e tristezas.
Sem desporto sentimo-nos quase como despidos, pois aumenta a sensação de angústia do isolamento social.
Nesta situação, na europa, debate-se de forma intensa e diria mesmo emocional, a sobrevivência dos clubes, devido aos enormes prejuízos financeiros que coloca os clubes em alerta vermelho quanto à sua sobrevivência. Nos USA, a discussão económica está presente, mas foca-se mais na contribuição que o desporto pode dar para a retoma económica e para o entretenimento das pessoas.
Existe uma perceção que depois das pessoas estarem confinadas vão querer sair, vão querer viver momentos de emoção e o desporto pode-lhes proporcionar isso mesmo para além do entretenimento, e as ligas americanas querem estar presente e contribuir para tal.
Se os condicionalismos económicos têm um peso muito grande nos clubes europeus que estão na dependência das receitas dos direitos de transmissão, dos patrocinadores, receitas de bilheteira (não se aplica a todas os clubes), das verbas vindas da venda de jogadores e merchandising (nalguns casos), nos USA a realidade é completamente diferente.
No outro lado do Atlântico, as equipas são geridas como organizações, sendo propriedade de uma ou mais pessoas, ou mesmo de uma empresa, ou família, tendo uma sustentabilidade financeira que permite aguentar a suspensão das competições. Aliás, no passado recente já assistimos a greves de jogadores de diferentes ligas, sem repercussões financeiras de maior. É claro que houve perdas de receitas, mas também é verdade que as ligas regressaram sempre mais fortes e mais interessantes. O desejo de sucesso das diferentes equipas e da competição é compartilhado por proprietários e jogadores, visto que estes últimos podem ter ganhos financeiros provenientes da venda de ingressos. Para as ligas americanas o foco neste momento está na segurança dos atletas, de todo o staff das equipas e dos adeptos/fans.
Todos estas premissas assentam em modelos de organização diferentes. Nos USA, as ligas são profissionais e o sistema competitivo é fechado, há um teto salarial por equipa, havendo penalizações financeiras pesadas para quem passar esse limite, e um propósito no compromisso com os adeptos/fans: entretenimento. Para isso cada vez mais as organizações/equipas americanas têm-se tornado organizações multimédia em primeiro lugar e marcas desportivas em segundo, que através do desporto criam conteúdos para os seus adeptos/fans de todo o mundo (o que algumas equipas do futebol europeu tentam replicar no território chinês). Nem todas as equipas têm reais possibilidades de serem campeãs, mas essas dão o seu contributo através do melhoramento de atletas, obtendo vantagens na escolha ou troca de jogadores, visto que o dinheiro nestas operações é muito condicionado. Uma equipa pode ter a pior % de vitórias/derrotas e ter casa cheia. Existem muitas formas de entretenimento, cada equipa está comprometida em captar o (engagement) interesse do adepto/fan, usando a sua marca desportiva, os seus ativos (jogadores e treinadores) para criar algo de valioso e relevante.
Na Europa, o modelo competitivo é assente no modelo associativo. Nas competições domésticas, uma equipa pode ser campeã ou descer de divisão. Uma classificação nos lugares cimeiros pode dar-lhes a possibilidade de jogar nas competições europeias o que representa logo à partida um encaixe financeiro considerável e se torna uma vantagem competitiva em detrimento de receber nada, e que contribuiu para se manter dentro dos valores do fair-play financeiro. A estabilidade dos projetos é sempre relativa e pode ser colocado em causa por uma má época desportiva.
O futuro do futebol europeu caminha para que num futuro breve possa ter um quadro competitivo de dimensão europeia, através de uma competição fechada, representando um modelo de gestão desportiva com sustentabilidade financeira, de recursos humanos, e estabilidade e equilíbrio competitivo. Um melhor nível competitivo trará um maior poder de atração de patrocinadores, adeptos/fans, espaço de tempo nas televisões e na comunicação social escrita. Um, ou mesmo dois grandes níveis europeus de competição, é algo que conjuga as aparentes diferenças entre as duas realidades desportivas: alimentar a paixão pelo jogo, o desejo de ganhar e a relação com os adeptos/fans.
Este é o momento certo para que quem gere o futebol, seja ao nível nacional, seja ao nível europeu ou mundial, contribua para a sustentabilidade e o propósito da competição e de cada organização desportiva/clube.
Fica a questão, e os outros clubes? Esses jogaram nos diversos níveis das competições doméstica, lutando pela atenção de adeptos/fans, por patrocinadores locais e nacionais, sendo que aos jogadores compete-lhes melhorar para chegar ao nível seguinte. Quanto aos clubes, estes devem estabelecer cada vez mais estratégicas de relacionamento com os seus adeptos/fans, com uma atenção especial à comunidade onde estão inseridos, preocupando-se em devolver aquilo que ela lhes dá em troca pela prática desportiva e entretenimento.
António Pereira é um ex-jogador e ex-treinador de basquetebol, tendo desenvolvido a função de scouting durante vários anos. É licenciado em Comunicação Organizacional com as especialidades de Comunicação de Marketing e Comunicação de Relações Públicas, Mestre em Marketing e Comunicação e escreve sobre Gestão do Desporto, Marketing e Comunicação do Desporto no blog https://apbasketball.blogspot.com/ , https://ideiasparaobasquetebol.blogspot.com/ entre outros.