Carlos Lopes conquistou há 38 anos a primeira Medalha de Ouro Olímpica Portuguesa  (artigo de João Marreiros, 19)

Espaço Universidade Carlos Lopes conquistou há 38 anos a primeira Medalha de Ouro Olímpica Portuguesa (artigo de João Marreiros, 19)

ESPAÇO UNIVERSIDADE12.08.202210:12

Nos Jogos da V Olimpíada de 1912 que se realizaram em Estocolmo, Francisco Lázaro desistiu na prova da Maratona (publicação nestas páginas, no dia 8 de Janeiro de 2018). Durante quatro Jogos da Olimpíada, 1920 (Antuérpia), 1924 (Paris), 1928 (Amesterdão) e 1932 (Los Angeles) a Missão Olímpica portuguesa não teve participantes portugueses naquela prova.
 

Nos Jogos de Berlim (1936), Manuel Dias ficou classificado no 17º lugar (2:49:00 horas), entre 56 concorrentes e Jaime Mendes desistiu. Manuel Dias utilizou uns sapatos de ginástica, muito leves, que lhe haviam oferecido dias antes sem os experimentar e que foram fatais por se terem desfeito. Ficou com os pés em sangue e teve que trocar os sapatos por umas botas que um escuteiro da juventude hitleriana lhe cedeu a dada altura do percurso para poder terminar a prova.
 

Em Tóquio (1964), Armando Aldegalega, alcançou o 44º lugar (2:38:02 horas) entre 68 concorrentes, para nos Jogos de Munique (1972) ter melhorado a sua posição com um 41º lugar (2:28:24 horas) entre 69 concorrentes. Nos Jogos seguintes realizados em Montreal (1976) e Moscovo (1980) o atleta Anacleto Pinto ficou respetivamente em 22º (2:18:53 horas) entre 67 concorrentes e 16º (2:17:04 horas) entre 74 concorrentes.
 

Carlos Lopes é um longo projeto de uma paciente e sofredora caminhada para o êxito, sendo para os jovens que sonham com a fama e a glória um grande exemplo de como se “constrói” um campeão, acabando por ser um excelente atleta no corta-mato, na pista e na estrada.

Nasceu a 18 de Fevereiro de 1947 no Hospital de Viseu, e foi baptizado na Sé de Viseu, na freguesia de Santa Maria, indo viver para Vildemoinhos.
 

Oriundo de um grupo de amigos que gostavam de brincar, de correr e participarem nas Festas de Verão das aldeias, quando inicialmente fez um primeiro treino de 20 quilómetros andou três dias “agarrado às paredes”, para em Novembro de 1965 não ter participado numa prova em Lamego, devido a uma queimadura num pé.
 

A sua primeira medalha ganhou na S. Silvestre de Viseu em 1965, quando ficou em 2º lugar, para duas semanas depois ser campeão regional de corta-mato em Juniores também naquela cidade em representação do Lusitano de Vildemoinhos (criado em 14 de Agosto de 1916), acabando em 3º lugar no campeonato nacional de corta-mato em Juniores na cidade de Évora. Com apenas três meses de treino, foi selecionado para representar Portugal no escalão de Juniores em Marrocos na cidade de Rabat, quando da realização do Crosse das Nações nesse mesmo ano, ficando em 25º lugar. Em 1967 participa no corta-mato com um 3º lugar no Torneio de Abertura ainda como Júnior.
 

Estreou-se em grandes competições internacionais no dia 20 de Maio de 1967, no I Marrocos – Portugal com um 3º lugar nos 10.000 metros (33:34:8 minutos) com muito calor e entre outras competições teve a primeira participação nos Campeonatos da Europa em 1971, com um modesto 33º lugar e último classificado na prova dos 10.000 metros (30:05:6 minutos), alcançando igualmente um 9º lugar na segunda eliminatória dos 3.000 metros obstáculos, com o tempo de 8:54:8 minutos.
 

Na sua primeira presença nos Jogos Olímpicos, em 1972 na cidade de Munique, saldou-se por uma muito discreta classificação, não passando de dois nonos lugares nas eliminatórias de 5.000 metros (14:29:6 minutos) e 10.000 metros, com o tempo de 28:53:6 minutos.
 

Em 1976 nos Jogos de Montreal, teve a honra de ser o porta-bandeira da Missão Portuguesa quando a realização da cerimónia inaugural. Ficou em 2º lugar na prova de 10.000 metros (27:45:17 minutos), depois de ter ganho a sua eliminatória com 28:04:53.
 

Como o atleta classificado em primeiro lugar, Lasse Virén da Finlândia (27:40:38 minutos) não foi submetido ao controlo antidopagem, não se tendo livrado da fama de utilizar dopagem sanguínea, Carlos Lopes negou-se a ir ao controlo, tal como o atleta Brendan Foster (Reino Unido). Acabaram por ir ao controlo os atletas classificados em 4º (Tony Simmons, Reino Unido), 5º LLie Floroiu, Roménia, 6º Mariano Haro, Espanha e na 7ª posição, Marc Smet da Bélgica.
 

A partir dos Jogos de 1980 em Moscovo passou a ser obrigatório a ida ao controlo antidopagem aos atletas classificados nos três primeiros lugares.
 

Nos Jogos de Los Angeles (1984), no último dia dos Jogos da 23ª Olimpíada, Cidálio Caetano e Delfim Moreira desistiram da prova da Maratona onde Carlos Lopes foi o grande vencedor no dia 12 de Agosto, entre 107 concorrentes (desistiram 29) de 59 Missões Olímpicas, numa demonstração inolvidável de quanto pode o querer e perseverança de um atleta, que, ganhando a Maratona da forma mais convincente, não se limitou a fazer uma corrida sensacional para ganhar a primeira medalha de ouro olímpica portuguesa.
 

Anteriormente, no dia 24 de Outubro de 1982, teve a sua primeira experiência na Maratona de Nova Iorque desistindo a 8 quilómetros do fim, porque a preparação então efetuada não dava para mais.
 

Terminara uma Maratona reconhecida como melhor marca europeia com o tempo de 2:08:39 horas, precisamente a 9 de Abril de 1983 em Roterdão, sendo o segundo classificado a dois segundos do australiano Rob de Castella. O andamento foi muito forte com 14:47 minutos para a légua entre os 35 e 40 quilómetros, com 6:17 minutos nos últimos 2.195 quilómetros, o que deu uma média de 2:51:7 ao quilómetro. Os recordes mundiais da Maratona foram reconhecidos pela Federação Internacional de Atletismo a partir de Janeiro de 2004. Até esta data eram reconhecidos como melhor marca mundial.
 

Deu então uma expressão ao melhor tempo Olímpico da Maratona, contra o tempo de 2:58:50 horas da primeira Maratona Olímpica, que tinha a distância de 40 quilómetros. A 14 de Abril de 1984 volta a Roterdão, mas como o andamento ia muito rápido, não completou a prova a partir dos 30 quilómetros, argumentando uma lesão, mas já com o pensamento na prova de Los Angeles, pois aquela quilometragem fazia parte da sua preparação.

Quinze dias antes da prova, foi atropelado quando efetuava um treino na Segunda Circular em Lisboa, por um comandante da uma companhia de aviação, que por sinal era um candidato à presidência do Sporting. Depois de duas cambalhotas aéreas, ao levantar-se sentiu que conseguia correr e logo pensou que tinha a medalha ganha. Se não tinha morrido e nada tinha partido, só esfolado era porque os deuses estavam com ele.

Antes da partida, dada às 17 horas (dorsal 723), estava com 46 pulsações por minuto e 53 quilos, com uma temperatura de 36º e 76 por cento de humidade, mais a poluição. Com 37 anos e seis meses encetou uma corrida inteligente, sabendo resguardar-se o necessário sem nunca perder o contacto com o grupo da frente, Lopes resistiu bem, nos momentos críticos da corrida, aos ataques desferidos por alguns companheiros de prova que estavam dispostos a imprimir um andamento bem duro à prova na primeira légua, por intermédio dos holandeses Gerard Nijboer e Cor Lambregts que desistiram, para que depois os africanos Juna Ikangaa (Tanzânia, seria 6º com 2:11:10 horas), Kimurgor Ngeny (seria 68º com 2:37:19 horas), Joseph Nzau (Quénia, seria 7º com 2:11:28 horas) e, com menos intensidade, Gidamis Shahanga (Tanzânia, seria 22º com 2:16:27 horas), na terceira légua o atleta da Somália, Ahmed Mohamed Ismail (seria 47º com 2:23:27 horas), imprimisse um andamento louco. Os outros não se importavam, mas seguiram-no.
 

Entretanto, durante boa parte da corrida o campeão português, deu a sensação de pautar a sua corrida pela de Rob de Castella (seria 5º com 2:11:09 horas), atleta que a imprensa americana, conjuntamente com Alberto Salazar, um cubano naturalizado norte-americano (seria 15º com 2:14:19 horas), apontavam como os grandes favoritos à medalha de ouro, não contando por isso com a contrariedade que Carlos Lopes conseguiu impor e da maneira como o fez.
 

O atleta português aproveitava todas as oportunidades para se refrescar, poupando-se o mais possível, atendendo à temperatura e humidade, que se fazia sentir.
 

Ao décimo nono quilómetro, Carlos Lopes, muito bem colocado no pelotão, numa segunda fila, atrás dos africanos, repara que Alberto Salazar (EUA), começa a descolar, aparecendo Rod Dixon (Nova Zelândia, seria 10º com 2:12:57 horas) no comando por volta dos 23 quilómetros, para aos 25 quilómetros Charles Spedding (Reino Unido), assumir o comando, continuando os favoritos (já só iam 12), à parte de Alberto Salazar, no pelotão da frente, ainda compacto, mas perdendo unidade aos poucos.
 

Aos 32 quilómetros, quando a prova verdadeiramente “começa”, eram onze os atletas que iam na frente, começando desta forma a seleção dos melhores, para aos 34 quilómetros Rob de Castella descolar desse pelotão, ficando o mesmo reduzido a sete unidades, ou seja, Charles Spedding, Carlos Lopes, Juma Ikangaa, Joseph Nzau, John Treacy (Irlanda), Takeshi So (Japão, seria 4º com 2:10:55 horas) e Toshihiko Seko (Japão), que seria 14º classificado com 2:14:13 horas.
 

Charles Spedding, na frente, faz uns diabólicos cinco quilómetros, que deixaria marcas, mas antes já o grupo da frente estava reduzido a três atletas.
 

Por volta dos 35 quilómetros, outro dos favoritos, Toshihiko Seko descola, para aos 36 quilómetros ser a vez de Juma Ikangaa e Takeshi So.

Aos 37 quilómetros, Joseph Nzau, luta desesperadamente para se manter no grupo, mas, a dada altura, cede mesmo e em manifesta dificuldade vai perdendo lugares, até chegar à sétima posição, com a consequente perda de mais de dois minutos nos últimos cinco quilómetros.

É então que Carlos Lopes, que já ia com cerca de 30 metros de avanço, desferiu um ataque rumo à sua vitória, ao seu sonho, já ia no comando há cerca de dois minutos, impondo o seu andamento enquanto pensava: “Quem vier veio”. Observando os adversários, isolava-se com 1:54:40 hora de prova, ganhando rapidamente vantagem e não foi alcançado, tendo percorrido a légua entre os 35 e os 40 quilómetros em 14:33 minutos.
 

Para Carlos Lopes, os 39, 40, 41 e 42 quilómetros foram uma caminhada imparável a caminho da meta, aumentando sucessivamente o seu avanço que, quando entrou no Estádio se cifrava em cerca de 200 metros sobre os dois mais diretos perseguidores, John Treacy, da Irlanda (2º com 2:09:56 horas, e Charles Spedding, do Reino Unido (3º com 2:09:58 horas), que pela insistência com que olhavam para trás, mais pareciam interessados em segurar o lugar que desse uma medalha de prata ou de bronze do que tentarem aproximar-se de Carlos Lopes, que lá na frente continuava em ritmo verdadeiramente impressionante tendo feito 14:30 minutos nos últimos cinco quilómetros, depois da preparação de cerca de 12 mil quilómetros para esta prova nos últimos 11 meses.
 

E tão à-vontade cortou o fio da chegada às 19:09:20:42 horas (3 horas e quase 10 minutos da madrugada em Portugal), com o tempo de 2:09:21 horas e 35 segundos de vantagem de John Treacy, continuando a correr dando mais uma volta à pista, mas desta feita de consagração, aplaudido pelos mais de 90 mil espectadores do Coliseum e observado ainda por mais de dois biliões e meio de telespectadores.

Quando chegou à meta, os gestos com os seus braços foi como que a dizer: “Esta é minha, ninguém ma tira”.
 

Não precisou de “sprintar” para vencer a mais espetacular prova dos XX Jogos da XXIII Olimpíada da Era Moderna, a vigésima Maratona Olímpica, trazendo para Portugal, aos 37,5 anos de idade, a primeira medalha de Ouro e conseguindo assim, o mais alto momento do Desporto Português. Como curiosidade, fica o registo do atleta Dieudonné Lamothe (Haiti), último classificado (78º) na prova, com o tempo de 2:52:18 horas.
 

Carlos Lopes nos dois anos e meio da sua preparação para a Maratona dos Jogos Olímpicos tinha treinando muito a um ritmo de competição com temperaturas de 36 graus e 70 por cento de humidade, fazendo aquilo que mais gostava, procurando fazer sempre o melhor possível com uma preparação para chegar à meta com 200 metros de avanço. As suas características físicas e psicológicas levavam a nunca ter medo dos adversários, mas sim dos 42,195 quilómetros (26 milhas e 385 jardas), como diria no fim da prova a dureza da mesma eram os 42 quilómetros do costume.
 

O tempo obtido pelo Campeão Olímpico, Carlos Lopes durou seis Olimpíadas, tendo sido batido pelo queniano Samuel Wanjiru (Quénia), com o tempo de 2:06:32 horas em 24 de Agosto de 2008, nos Jogos da Olimpíada de Seoul, tempo que ainda durará pelo menos até aos próximos Jogos da XXXIII Olimpíada em Paris, de 26 de Julho a 11 de Agosto, no ano de 2024.
 

No ano de 1985, no dia 20 de Abril, em Roterdão fez o melhor tempo mundial na prova da Maratona, que era desde 1984 de Steve Jones (2:08:05 horas) do Reino Unido, tendo alcançado 2:07:11 horas, quase a 20 quilómetros por hora (19,906 Km) aos 38 anos sendo o primeiro atleta do Mundo a baixar o tempo das 2 horas e 8 minutos. Com andamento regularíssimo fez cada légua entre 14:41 e 15:25 minutos, a uma média inferior a 3:01 minutos por quilómetro, tempo este que durou até ao ano de 1988, quando Belayneh Dinsamo (Etiópia) fez 2:06:50 horas.

Participou em cinco Maratonas, com duas desistências e nas três que chegou ao fim, fez em cada uma o melhor tempo Europeu, Olímpico e Mundial.
 

Acabamos este pequeno artigo sobre o primeiro Campeão Olímpico Português mencionando as suas Condecorações: 23 de Dezembro de 1977, Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique; 4 de Julho de 1984, Oficial da Ordem do Infante D. Henrique; 26 de Outubro de 1984, Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique; Ano de 1984, recebeu a Insígnia de Ouro do Comité Olímpico Internacional; 24 de Agosto de 1985, Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
 

João Marreiros, Professor Associado no Ensino Universitário