Espaço Universidade A prevenção antidopagem (artigo de Vítor Rosa, 164)
Recenseamos investigações universitárias que tomam como objeto de estudo as realidades do terreno, a especificidade de uma cultura, a análise de género, as representações da dopagem, as resistências dos atores sociais aos programas de educação, mas não conhecemos trabalhos que visam juntar e sintetizar estas pesquisas. Uma descrição das políticas de prevenção da dopagem, os obstáculos e as realidades, na qual mergulham os atores sociais, está por escrever. Ela permitiria ter em conta as forças e as fraquezas da prevenção e identificar as margens de progressão. Patrick Trabal, Professor na Université Paris-Nanterre La Défense, do qual fui colega, refere que a luta contra a dopagem se inscreve numa história que lhe é própria. É o caso de todos os dossiers sanitários, mas contrariamente ao da luta contra a obesidade, ou contra a sida, por exemplo, a história da luta contra a dopagem nunca foi realmente escrita.
Segundo Trabal (2014), afirmar a importância da prevenção na luta antidopagem é um lugar-comum. As federações internacionais, a Agência Mundial Antidopagem (AMA), o Comité Olímpico Internacional (CIO), os Governos e as Instituições estão de acordo sobre a necessidade de informar e de educar os atletas. Todavia, este consenso não resolve os problemas. Para responder à questão dos valores e da finalidade da prevenção da dopagem, o autor analisou um conjunto alargado de textos de diversas instituições internacionais (AMA, UNESCO, Conselho da Europa, Comité Olímpico Internacional e Organização Mundial de Saúde, etc.), ligadas na luta contra a dopagem.
Tabela 1
Instituições Número de textos Número de páginas
CIO 176 1470
UNESCO 57 598
AMA 54 2909
Conselho
da Europa 35 185
OMS 3 16
Coletivo
Uriage 2 68
Os textos, que abrangeram o período temporal de 1963 a 2013, foram analisados com recurso a um software de tratamento de texto (Prospéro). Os resultados desta pesquisa revelaram que a luta contra a dopagem assume diferentes formas: uns proclamam ambições modestas, esforçando-se, apenas, em “reduzir”; outros pretendem “erradicá-la”. As sanções a aplicar também são diferentes, segundo os países e as culturas. A sensibilização surge como a primeira etapa do projeto educativo. As instituições que se encarregam da prevenção no âmbito da dopagem não se preocupam com as situações de terreno. A falta de interesse pelas ações de prevenção “em curso” é notável quando se analisa a imprensa. A imprensa convoca os especialistas – entre os quais os sociólogos – que colocam em evidência as causas estruturais da dopagem e as dificuldades de ação. Nesse sentido, é apontada a hipocrisia do movimento desportivo ou o caráter inevitável da dopagem numa atividade focada na ultrapassagem dos limites e do excesso.
Na análise, Trabal (2014) salienta que os sociólogos raramente promovem investigações sobre esta realidade social. A prevenção sobre a dopagem ainda não é muito estudada. Quando os sociólogos se interessam pela dopagem, eles são tentados sobre a análise sobre os significados sociais do fenómeno. As análises sobre os modos de regulação da dopagem e a implementação das políticas antidopagem incindem sobre a pertinência da regulação ou sobre a legitimidade de lutar contra a dopagem, mas entram pela questão da ética, pela sociologia moral ou pela sociologia da ação pública.
Os estudos sobre as atitudes dos médicos, relativamente a esta matéria, também são escassos, o que está em consonância com a realidade portuguesa (Uzuelli, 2012). Aliás, Uzuelli (2012) conclui que muitos médicos não estão aptos para tratar os atletas sujeitos a controlos antidopagem, provocando uma diminuição da confiança destes pelo corpo médico. Isso tem repercussões, designadamente no aumento da quantidade de casos de violação das normas antidopagem. A autora recomenda que, para futuros trabalhos referentes ao tratamento médico de praticantes sujeitos a controlos antidopagem, se estude a preparação de outros profissionais de saúde (médico-dentistas, farmacêuticos e enfermeiros), dado que a lista de substâncias e métodos proibidos é divulgada pelas várias Ordens.
Sobre as investigações em ciências sociais financiadas pela AMA, realça-se que é, sobretudo, a psicologia que é proeminente. Repara-se também que o uso do inquérito por questionário é o mais corrente nesses estudos. Para perceber a realidade, os investigadores procuram registar o “social”, entendido essencialmente como “fatores sociais” com a ajuda dos questionários, recorrendo aos métodos estatísticos e as entrevistas complementam a análise.
“A melhoria da prevenção passa pela deslocação, não do “alvo” num lugar e num tempo fixo pelos “preventólogos”, mas pelos atletas”, salienta Trabal (2014, p. 40). É preciso disponibilizar uma informação pertinente e educar de forma personalizada, não opondo, claro, as ações mais clássicas. Isso pode ser feito, como se faz, pelos serviços por telefone. Os atletas e os seus próximos exprimem-se, igualmente, nos fóruns de internet. O interesse sobre este tipo de rede para a prevenção é múltiplo.
Referências:
Trabal, P. (2014). La prévention du dopage dans le sport : insuffisances et défis. UNESCO.
Uzuelli, C. (2012). Aspectos médico-legais da dopagem e o papel dos médicos na luta contra a mesma. Dissertação de Mestrado em Medicina Legal e Ciências Forenses. Universidade de Coimbra.
Vítor Rosa
Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa