As causas que pedem boleia à mediatização do Desporto
Esta semana, entre nós, foi a vandalização de um campo de golfe. Nos Mundiais de ciclismo houve boicote e a Vuelta escapou a um atentado. Os fins são justos, os meios sê-lo-ão?
O Desporto, pela visibilidade que tem, foi, desde sempre, um meio apetecível para enviar mensagens de várias ordens. Mas há que saber separar a profundidade do protesto de Tommie Smith e John Carlos, no pódio dos Jogos Olímpicos do México, em 1968, dos inúmeros streakers que há décadas invadem, como vieram ao mundo, os recintos desportivos, para épicos jogos de gato e de rato com a segurança do evento. Para não falar de profissionais do protesto, como Jimmy Jump, que são eles próprios uma marca, e tentam aparecer e ter o seu instante de fama monetizável, nos momentos de maiores audiências televisivas.
As entidades que regulam o Desporto à escala global, nomeadamente a FIFA e o Comité Olímpico Internacional, têm optado por um caminho de política-quase-zero, punindo quem procurar enviar mensagens durante jogos ou competições. E trata-se de um «quase zero» porque, sempre que as circunstâncias exigem, como é a presente invasão da Rússia à Ucrânia, são tomadas medidas políticas, que impedem o acesso às competições das nações que ferem o ideário desportivo. Ou são alterados calendários ou palcos - Israel em guerra é o exemplo mais recente - para contornar os imponderáveis dos conflitos bélicos.
Sendo este o panorama genérico, há que reconhecer que têm vindo a intensificar-se, da Austrália a Portugal, dos Estados Unidos à Noruega, ou seja, um pouco por todo o lado, protestos avulsos, levados a cabo por organizações que defendem causas e procuram protagonismo e visibilidade, que utilizam os eventos desportivos para publicitar os seus argumentos e fazer prova de vida. Porém, se as causas são nobres, embora muitas vezes os argumentos, como à frente se verá, sejam pontualmente superficiais e falaciosos, a forma como são defendidas acaba por constituir verdadeiros tiros nos pés, que em vez de captar a simpatia da opinião pública geram um efeito diametralmente oposto. O caso mais recente, em Portugal, que se revestiu destas características, aconteceu num evento da CNN nacional onde Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, foi atacado com balões de tinta verde. O governante aguentou a investida com calma, trocou de camisa, e acabou por dar uma aula de civismo a quem deitou por terra a boa imagem dos defensores do ambiente. Provavelmente, quem optou por aquela ação não faz a mínima ideia da relação entre o que aconteceu a Mário Soares na Marinha Grande e a sua eleição para a Presidência da República…
Mas é tão verdade que quem quer viver pelos jornais e televisões acaba por morrer por eles, que várias ações levadas a cabo em Lisboa, alegadamente em defesa do ambiente, na Segunda Circular, na Rua de São Bento e na Avenida de Roma, foram mal recebidas pelos cidadãos, que em alguns casos passaram à ação direta e retiraram os manifestantes das vias, não esperando sequer pela polícia. Esta tendência, que está a aparecer com maior visibilidade em Portugal, vem em linha com outros protestos feitos no estrangeiro, e que já foram vistos em jogos da Bundesliga ou da Premier League, nos Opens de ténis dos Estados Unidos e da Austrália, ambos do Grand Slam, na final do campeonato de futebol australiano, em jogos internacionais de râguebi e no ciclismo, na presente temporada marcado por um boicote e uma tentativa de atentado durante a Vuelta, e uma paragem de mais de uma hora dos Mundiais de ciclismo disputados em Glasgow, para que os manifestantes fossem literalmente descolados da estrada.
Entre nós, muito recentemente, a propósito da atribuição a Portugal da co-organização do Campeonato do Mundo de Futebol de 2030, levantaram-se vozes de protesto pelo facto de haver três jogos na América Latina, o que iria obrigar a mais alguns voos transatlânticos para transportar as equipas para o Sul da Europa e o Norte de África, como se essas viagens sequer chegassem a ser uma gota de água no oceano de voos diários realizados, por exemplo, para colocar no mercado exigente global abacaxi acabado de apanhar da América Central.
Porém, como uma bola de futebol tem um poder mediático incomparavelmente maior do que um abacaxi, vários argumentos oportunistas foram imediatamente ouvidos.
A COISA E A CAUSA
Há poucas causas por que valha a pena lutar, como o ambiente, ou a defesa dos direitos humanos. O Planeta está realmente em perigo, as medidas eficazes, por mais que o secretário-geral das Nações Unidas continue a pregar aos peixes, qual Santo António (Guterres), estão por chegar, e as que chegam dos países que fazem realmente a diferença, pecam, para dizer o mínimo, por timidez, tornando-se fundamental, porque não há Planeta B, manter a pressão alta sobre os decisores para travar o aquecimento global, investindo em formas de energia mais limpas. Quanto a isso, não haverá muitas dúvidas e só por negacionismo acéfalo será possível afirmar o contrário. O que está em causa não é de somenos, porque se trata do bem-estar das gerações vindouras.
Em 1992, durante a Eco-92, tive oportunidade de entrevistar Jacques-Yves Cousteau, à altura já com 82 anos, defensor da ecologia e dos oceanos, que identificava a sobrepopulação como o principal problema para o futuro da raça humana. Em 1992, a população do planeta era de 5,47 mil milhões seres humanos. Volvidos 31 anos, somos 7,82 mil milhões, num crescimento exponencial que não só dá razão a Cousteau, como vem somar-se, como mega-problema, ao aquecimento global, que está a mudar a face da Terra. Este é um assunto sério, demasiado sério para ser tratado de forma leviana, por mais militância que exista. As causas não podem ser tratadas como coisas, defendidas de forma avulsa com medidas casuísticas, tomadas sem medir consequências. E o que se tem passado com o aproveitamento meramente oportunista da visibilidade do desporto, não traz nada de bom à imagem de quem luta por metas ambientais mais do que justas.
Em peças à parte, apresentamos as posições da Climáximo e da FP Golfe sobre a polémica mais recente, que ocorreu quando um grupo de ativistas climáticos colocou cimento nos buracos do campo de golfe do Paços do Lumiar.
O MITO DO GOLFE
Neste momento há em Portugal cerca de 50 mil jogadores federados e 70 campos, espalhados pelo continente e ilhas, maioritariamente no Algarve (30), onde estão a decorrer experiências de sucesso no que respeita ao aproveitamento das águas residuais, provenientes, após tratamento, das ETARs, para rega. Aliás, no verão de 2023, os campos que já aderiram a esta fórmula de grande vantagem ambiental, apresentaram ao longo da estação estival os fairways sempre bem tratados, ao invés de outros campos, que foram obrigados a reduzir a rega. No Algarve, onde a época baixa é ajudada em grande medida pelo turismo do golfe (que se está a estender, de forma exponencial, à Grande Lisboa, provocando um nunca antes visto congestionamento dos campos), sendo geradas verbas que ultrapassam os mil milhões de euros, que garantem inúmeros postos de trabalho numa região algarvia onde a sazonalidade é normalmente a regra, a reutilização da água tratada, e, no futuro, os processos de dessalinização, asseguram que o golfe, sendo fonte de receita, terá impacto zero (hoje é de 5,6%, segundo a FPG) na política hídrica da região.
Mas, será, de facto, o golfe, um desporto caro? Há, na vida, quem possa andar de Ferrari, e quem ande de Fiat, e no golfe é igual. Há campos caros em todo o mundo, e material sofisticado. Mas, no nosso País, para a generalidade dos 50 mil federados, uma volta de golfe custa menos que um bilhete de cinema. Ou, se tomarmos por baliza os concertos dados pelos Coldplay em Coimbra, o bilhete mais barato dava para fazer oito voltas de golfe, e o mais caro para jogar durante seis meses.
Para quem jogue duas vezes por semana, com passe anual, cada 18 buracos, normalmente cumpridos em quatro horas, custa nove euros. E estão no mercado sacos com sete tacos básicos, que são comprados com 300 euros. Para quem quiser ser ainda mais económico, funciona um mercado de usados (que podem ser importados, sem custos aduaneiros e muitas vezes de transporte, da Irlanda) que disponibiliza opções ainda mais baratas…
«Não podemos mais tolerar os luxos dos ultra-ricos»
O grupo ambientalista Climáximo, depois de em julho passado ter tfeito o mesmo em Oeiras, voltou a repetir a ação, desta feita no campo do Paço do Lumiar. A justificação para tais ações foi dada usando os seguintes argumentos: «A crise climática e a escassez de recursos vindoura irão acentuar desigualdades já existentes na nossa sociedade, onde 1% detêm a maior parte da riqueza, enquanto pessoas comuns lutam por uma vida digna. É urgente cortar emissões e gerir recursos com vista os direitos comuns. Segundo os relatórios das Nações Unidas, a este ritmo, afiguram-se no horizonte secas, incêndios, escassez alimentar, e ondas de calor que impossibilitam a vida em Portugal. O 1% é 72 vezes mais responsável por emitir CO2 que a metade do mundo mais pobre. Não podemos mais tolerar os luxos dos ultra-ricos enquanto o planeta arde à sua conta, e a água comum escasseia. Estes espaços, dentro da cidade, ao invés de serem convertidos em floresta, habitação, hortas urbanas, ou dados qualquer tipo de uso público, servem para o luxo dos ricos. São como uma torre de marfim onde os culpados por estas crises se escondem enquanto a população sofre com a seca e ondas de calor. Nós sabemos como parar esta guerra e instaurar a paz. E isso significa que as empresas, os CEOs e acionistas que gastam os seus lucros exorbitantes nestes campos de luxo têm que pagar a transição energética. Precisamos também de revalorizar o bem comum. O lazer, a cultura e o desporto têm que ser acessíveis para todas as pessoas, não o luxo de uma elite.»
«É falso que o golfe seja dos maiores consumidores de água»
Por parte da FP Golfe não se fez esperar uma reação, que procurou desmistificar o impacto ambiental da manutenção dos campos… «A FPG vem por este meio repudiar de forma clara e inequívoca a nova ação de vandalismo organizada e posta em prática por ativistas do autodenominado coletivo anticapitalista Climáximo no campo de golfe do Paço do Lumiar, em Lisboa. Relativamente à questão de o golfe ser apontado regularmente como um dos grandes culpados pela situação de seca crónica que o país tem enfrentado nos últimos anos, isso já só pode ser explicado por puro desconhecimento ou preconceito ideológico. Para provar isto mesmo basta ter em conta, apenas a título de exemplo, que no que ao consumo de água por parte dos campos de golfe no Algarve, apenas 6,4% do total de água consumido localmente é da responsabilidade do golfe, sendo que os setores que mais água consomem na região são o agrícola, com 56,8%, seguindo-se o consumo urbano com 33,9%. Em relação ao Campo de golfe do Paço do Lumiar em particular, estamos a falar de um campo de golfe implantado numa zona da cidade de Lisboa onde existia uma lixeira ilegal a céu aberto, sendo que desde a sua génese a grande prioridade foi transformar aquele local numa zona verde totalmente ecológica. Nesse sentido, foram criadas in loco bacias de retenção da água das chuvas (lagos) para que as mesmas sejam a única e exclusiva fonte de irrigação do campo. Ou seja, estamos a falar de um campo que, desde que foi inaugurado, em 2002, nunca utilizou sequer uma gota de água que não a recolhida nas bacias de retenção.»