António Costa apresentou demissão
Primeiro-ministro falou com Presidente da República e disse que um processo-crime aberto não é compatível com o cargo; não se vai recandidar
António Costa dirigiu-se ao país esta tarde, referindo que apresentou a sua demissão ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
«A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com qualquer suspeição sobre a sua integridade, boa conduta e menos ainda com a suspeita da prática de qualquer ato criminal. Por isso, obviamente, apresentei a minha demissão ao Presidente da República», disse, numa declaração ao país.
António Costa disse ter sido hoje «surpreendido com a informação oficialmente confirmada pela PGR de que já foi ou irá ser instaurado um processo-crime contra» si. Disse ainda que não vai recandidatar-se: «Não, não me vou recandidatar ao cargo de PM, é uma etapa que se encerrou. Os processos-crime raramente são rápidos, não ficaria a aguardar. No julgamento da minha consciência estou tranquilo.»
A decisão foi tomada depois de uma manhã de buscas realizadas pelo DCIAP, incluindo à residência oficial do PM, tendo sido detido o seu Chefe de Gabinete, Vítor Escária.
A PGR revelou depois que António Costa é alvo de um inquérito por parte do Supremo Tribunal de Justiça.
Esta manhã, António Costa esteve duas vezes no Palácio de Belém.
O primeiro-ministro agora demissionário acrescentou ainda estar «totalmente disponível para colaborar com a justiça em tudo o que entenda necessário para apurar toda a verdade seja sobre que matéria for».
«Não me pesa na consciência a prática de qualquer ato ilícito ou censurável. Confio totalmente na justiça e no seu funcionamento», referiu também. «É uma etapa da vida que se encerra, e que encerro com a cabeça erguida e de consciência tranquila».
O ministro João Galamba foi constituído arguido na investigação aos contratos de exploração de hidrogénio e lítio.
António Costa respondeu depois a algumas questões:
Disse que não fez nada censurável e demitir-se mesmo assim, mas já aceitou outras demissões: «Há distinção entre ser PM e outras funções. Sempre entendi que ser arguido não determina demissão, é um estatuto que reforça a garantia de defesa. Não sou arguido, não sei qual é a suspeição»
«A função é distinta e o prestígio do cargo deve ser reservado, pelo que não me devo manter em funções sabendo que foi, ou vai, ser aberto um processo-crime contra mim.»
«Falei com Presidente da República, agora compete-lhe decidir. Não vou condicionar ou pronunciar-me sobre decisão que lhe caberá tomar.»
«Nunca ouvi falar deste processo, só dizem que há um processo a decorrer no Supremo Tribunal de Justiça. A dignidade da função e a confiança nas instituições é incompatível com o desempenho das funções por alguém sob investigação.»
«Presidente da República aceitou e não questionou. Compreendeu e vai tomar as providências necessárias. Saio de consciência tranquila e pronto para colaborar.»
«Eu não estou acima da lei, se há qualquer suspeita, que ela seja investigada. O comunicado é omisso no que me é imputável»
Atualização às 15.18 horas:
O Presidente da República convocou os partidos para quarta-feira e reunirá o Conselho de Estado na quinta-feira. Falará depois ao país.
Nota do DCIAP sobre António Costa:
Corrupção ativa e passiva de titular de cargo político, tráfico de influência e prevaricação são os crimes indiciados.
«No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente. Estão a ser investigados factos relacionados com as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas); um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu; o projeto de construção de data center desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus»
Eis a nota restante do DCIAP:
No âmbito de inquérito dirigido pelo Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), estão a ser realizadas diligências de busca para identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse apara a descoberta da verdade.
Foram ordenadas/autorizadas, em concreto:
- 17 buscas domiciliárias
- 5 buscas em escritório e domicilio de advogado
- 20 buscas não domiciliárias, designadamente:
* em espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro;
* no Ministério do Ambiente e da Ação Climática, no Ministério das Infraestruturas e na Secretaria de Estado da Energia e Clima;
* na Câmara Municipal de Sines;
* na sede/espaços de outras entidades públicas e de empresas.
As diligências foram ordenadas ou autorizadas pelas entidades competentes – Ministério Público e juiz de Instrução Criminal – e estão a ser executadas com o apoio operacional de elementos da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Participam nas buscas 17 magistrados do Ministério Público, três magistrados judiciais, dois representantes da Ordem dos Advogados, cerca de 145 elementos da PSP e nove da AT.
As buscas nos espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro estão a ser acompanhadas por juiz de Instrução Criminal.
Em causa poderão estar, designadamente, factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.
Estão a ser investigados factos relacionados com:
- as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas);
- um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI);
- o projeto de construção de “data center” desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade “Start Campus”.
Em face dos elementos recolhidos na investigação e por se verificarem os perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, o Ministério Público emitiu mandados de detenção fora de flagrante delito do chefe de gabinete do Primeiro-Ministro, do Presidente da Câmara Municipal de Sines, de dois administradores da sociedade “Start Campus” e de um advogado/consultor contratado por esta sociedade.
Os detidos vão ser presentes a primeiro interrogatório judicial para aplicação das medidas de coação.»
O Ministério Púbico procedeu ainda à constituição como arguidos de outros suspeitos da prática de factos investigados nos autos, designadamente do Ministro das Infraestruturas e do Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente.»
«No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente.»