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A História de Sísifo (artigo de Manuel Sérgio, 102)
Ética no Desporto
02-09-2015 18:35
Por
Manuel Sérgio
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Manuel Sérgio
Sendo uma das personagens que mais interesse despertam, na mitologia grega, vejamos por que mais se distinguiu Sísifo, o rei de Corinto. Não havia grego que não reconhecesse nele uma inteligência invulgar. No entanto, espetacular (hoje, seria um penfletário, um comentarista com público certo na televisão) mostrava-se incapaz de aprofundar, de ir até às causas últimas de uma crise, de um facto, de um acontecimento. E assim só concebia saídas provisórias à eterna sucessão de dificuldades, que a vida é.
Aviventado por uma tendência irresistível à emoção descontrolada, problema que resolvesse era fonte de muitíssimos outros e mais graves problemas. Tinha por ele a multidão acéfala mas de tudo o que fazia o que mais ressaltava era a ilusória fantasia do seu temperamento conflituoso e combativo Um dia, Sísifo descobriu que Zeus raptara Egina, filha de Ásopo, o deus dos rios. Como atravessavam grave seca as suas terras, teve a ideia de confidenciar a Ásopo o paradeiro da filha desaparecida, desde que este lhe desse em troca uma nascente ou um rio, bem abonados de água. O pai, agradecido, aceitou a proposta de bom grado e deu a Sísifo uma nascente donde a água corria abundante e sem parar. Só que o Zeus, como se sabe, era o primeiro entre os deuses, de tudo tinha cabal conhecimento e, diante da delação, deu ordens imediatas à Morte que procurasse o Sísifo e o trouxesse à sua presença. Astuto o Sísifo recebeu, solícito, a Morte que, a alturas tantas, se prosternou maravilhada ante a retórica dulcíssima, acolhedora e hipócrita do seu anfitrião, o qual lhe pediu, por fim, que o deixasse enfeitar o pescoço, com um vistoso colar. A Morte não soube dizer que não. Só que o colar era afinal uma coleira que a deixou aprisionada. E foram dias atrás de dias em que ninguém morreu. Plutão, o deus das almas e do inconsciente, ao saber do que se passava, libertou a Morte e ordenou-lhe levasse o Sísifo para os infernos. Ao despedir-se da mulher, entre muitas lágrimas e grande teatralidade, Sísifo pediu secretamente à mulher que ela não lhe enterrasse o corpo.
Já nos infernos, Sísifo, usando as manhas habituais, pediu a Plutão o deixasse voltar à Terra, para cumprir os rituais fúnebres, com o seu corpo insepulto, já que a mulher ingrata o não fazia. Plutão concedeu-lher o pedido e Sísifo voltou à Terra, e fugiu e escondeu-se, com a mulher, em parte incerta. Viveu ainda um bom par de anos, saltando de esconderijo para esconderijo, até que finalmente morreu (ele não era deus e a imortalidade é prerrogativa divina). Quando Plutão o tornou a ver, reservou-lhe um castigo especial: Sísifo foi condenado a empurrar uma pedra enorme até ao alto de montamha, também enorme. Só que a pedra, antes de chegar ao cimo da montanha, rola invariavelmente para baixo, obrigando Sísifo a empurrar a pedra, por montes alcantilados, “per omnia saecula saeculorum”.
Se tudo isto for verdade, não sei se nos Alpes ou nos Pirinéus, ele continua, ignorado e esquecido, a empurrar a pedra enorme do seu castigo eterno. Há muitos Sísifos, nas várias profissões. E portanto também no futebol profissional. Trata-se de pessoas que vivem na (e da) superficialidade, agitação e mentira. Ocorre-me o escritor e jornalista brasileiro, Nelson Rodrigues, numa das suas crónicas, na Manchete Esportiva, e que foi escolhida para o livro da sua autoria, À sombra das chuteiras imortais (Companhia das Letras, São Paulo, 1993): “Não sei se vocês se lembram de uma passagem que contei, aqui mesmo, nesta coluna. Era o caso de um patrício meu, que assim se apresentava, nas esquinas, botecos e retretas: “Chegou o quadrúpede”.
Fazia uma volta no local e dava outro berro: “Sou um quadrúpede de 28 patas”. Era esse o seu triunfal cartão de visitas. Ligava para a namorada e começava assim: “É o quadrúpede”. Lembrei-me desse conhecido, que assim se aviltava, ao ouvir uma mesa-redonda. O assunto era o escrete. Ora, o escrete é feito à nossa imagem. E os cronistas, reunidos, não fizeram outra coisa senão cuspir, como Narciso às avessas, na própria imagem” (p. 166).
A história de Sísifo simboliza o erro, em que muitas vezes tombamos, de procurar “driblar” os problemas, isto é, de fugir à sua mais sólida resolução, inventando inimigos, desprezando a ética na resolução das dificuldades e condicionalismos que inevitavelmente nos assaltam, consciencializando que o vencedor, mais do que vencer os outros, deve mostrar-se capaz de vencer as suas próprias fraquezas, inseguranças, inabilidades. Vencedor é aquele que ao ditado “querer é poder” prefere um outro: “fazer é poder”. E, para “fazer”, importa saber por que se faz, saber como se faz e, por fim, fazer mesmo, não julgar que um discurso, sem a prática correspondente, pode resolver os problemas que brotam do dia-a-dia. Vejamos: as “causas das causas” das dificuldades que os clubes atravessam não são as más arbitragens.
Aliás, se estivermos atentos a muito do que se diz e do que se escreve, em seus intermináveis arranjos, permutações e combinações, só se descobrem más arbitragens, no Sporting e no Benfica e no F.C.Porto. Dos restantes jogos os críticos habituais não tugem-nem-mugem, o que pode levar a concluir-se que, nos jogos do Belenenses, do Arouca, do Paços de Ferreira, do Moreirense, etc., etc., os árbitros erram muitíssimo menos. E assim a gritaria berrantemente anti-arbitragem de alguns dirigentes e treinadores não tem razão-de-ser. No entanto, não se descortinam lampejos de mudança, nos olhos pisados dos contestatários. Porquê? Porque a truculência desmedida com que se achincalham os árbitros pretende esconder, acima de tudo, alguma incompetência e uma grande incapacidade de inovação. Somos “un pueblo suicida”. Assim nos classificou Unamuno. E continuamos suicidas, ao criarmos uma atmosfera de desconfiança contra os árbitros. O futebol português ficaria vestido em trajes de crepúsculo, se os árbitros fossem iguais ao que deles se diz, com tamanha insistência Nunca descortinei, nos presidentes de qualquer clube espanhol, tão arrogante e combativo desamor aos árbitros. E o futebol espanhol é (ou está) bem superior ao nosso.
Na mente de muitos “doentes” do F.C.Porto, do Sporting e do Benfica, estes clubes não cumprem deveres, doam favores. Eles fundam o futebol português, não o contrário. Neste caso específico, a legitimidade não se elabora na existência comunitária, mas é aquele triunvirato a decretá-la. Portanto, aos árbitros nada mais resta do que criar as situações possíveis às vitórias dos chamados “grandes”. Nas assembléias gerais destes clubes (ou seja, do Benfica, do Porto e do Sporting), predominam os “doentes”. E, daí, a superficialidade rotunda das ideias e das aspirações. É impossível, no clima férvido de uma assembléia geral, um ambiente adequado de lúcido diálogo. O que por lá se escuta é, demasiadas vezes, a vaia, o vitupério, a recusa de qualquer ideia de mais funda maturação. O que por lá sobrenada é a convicção de que a competência decorre, em linha reta, das aclamações, das adesões emocionadas, das fidelidades lanígeras. No futebol português, há muita gente que não acredita na democracia. Por isso, ele depende mais da boa vontade de quem manda do que da lucidez da esmagadora maioria dos sócios.
E assim o nosso futebol pode assemelhar-se, de quando em vez, a uma terra de caciques, de caudilhos, de líderes enfatuados e petulantes. E de um ou outro crítico, com aura de agitador, mas que em breve regressam à estabilidade do “status quo”, ao sonho das coisas imperturbáveis. Só que todos empurram a pedra, como Sísifo. Eternamente. E não me parece que sejam os árbitros os principais culpados. Conheço o futebol português, há muitos anos. E no futebol português convivi (e convivo) com pessoas que muito contribuíram à formação do meu ideário e decisivamente influíram no meu modo de conduta; fiz amizade com pessoas de esclarecido senso crítico. Mas a História de Sísifo ocorre-me, frequentemente...
Manuel Sérgio é Professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto
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