«Juízo Final» (artigo de José Neto, 105)

Espaço Universidade «Juízo Final» (artigo de José Neto, 105)

ESPAÇO UNIVERSIDADE28.07.202011:57

Este nosso amado FUTEBOL!... Nem sei muito bem como iniciar este “Juízo Final” relativo à conclusão do campeonato e que nas três edições anteriores em abola.pt procurei refletir com os meus estimados leitores…

Talvez iniciar como acabei a primeira reflexão. Dizia: ”se após toda esta modificação estrutural inédita no mundo do desporto e do futebol em particular, a época terminar sem hipóteses de renegar o cumprimento sagrado do regímen de saúde de todos os intervenientes, mais do que títulos de campeão ou de candidaturas à liga dos campeões, liga europa  ou lugares de manutenção no seu todo, pela competência como soube gerir este estado de agonia que a todos provoca, será merecedor dum amplo e generoso aplauso”.

Por isso, merece aplauso a Direção Geral de Saúde e Governo pela decisão da reabertura da competição, a coragem expressa e categórica do presidente da Federação Portuguesa de Futebol na sua magistratura de responsabilidade partilhada, acompanhada pelo presidente da Liga, numa abnegada e persistente fórmula de colocar em marcha todas as condições que o tempo viu registadas de forma credível.

Merece aplauso as equipas médicas, equipas técnicas, jogadores e demais estruturas dos clubes, pelo exemplo como lideraram através da ciência, paixão, entusiasmo e devoção, oferecendo as melhores condições para o treino e competição.

Bem sei que este jogar sem público foi como se retirasse a alma ao próprio jogo, ocasionando um

silêncio perturbador, que alguns dos ecos pelas imagens visualizadas, deixavam em saudade o cantar da força inquebrantável dos adeptos, que pelo peso das suas bandeiras se misturavam na distância o seu apoio participativo.

Em toda esta toada de desenvolvimento competitivo, creio que as equipas possuídas duma dinâmica muito própria, associando à sua mestria, mais do que o tal apelo às condicionantes biológicas, fisiológicas, atléticas e funcionais…as equipas, dizia eu, que foram mais capazes de controlar os pensamentos, movidas por uma cultura de honestidade, autenticidade, ética, resiliência e altruísmo viram-se mais competentes na conquista dos seus objetivos.

Como jamais me canso de evidenciar, convertendo a minha reflexão para o facto de observar a qualidade das equipas que são mentalmente mais fortes, sem dúvida os seus jogadores batem-se e lutam com a bravura dum guerreiro, fazendo desse temperamento a energia para obtenção do êxito, reunindo no estado de crença uma força motriz de intencionalidade onde se opera o sucesso. Ora essas competências comportamentais, psicológicas e mentais para além de estar inscritas no código biológico dos jogadores, têm um lugar primordial na inserção duma nova visão global do treino desportivo…mas isto já pertence a outra conversa!…

Uma observação especial que deverá conduzir a um caso de estudo, merece ser referida, como seja o Clube Desportivo através do eixo de mediação existencial do Santa Clara. Deslocados durante dois meses do centro convergente da sua realidade afetiva, social, familiar, foi capaz de catapultar através do eixo de mediação existencial a defesa do seu trono sagrado, terra cravada pela distância entre mares, feita pela árdua renovação do homem, a construção dum paraíso (Açores).

Penso que pela competência duma liderança exercida, superiormente interpretada pelo perfil do seu treinador João Henriques e num elo de perfeita ligação a uma estrutura devidamente assessorada, lhe conferiu a nobre arte de lutar contra “ventos e marés” e fazer da sua história, a história das suas gentes. Como também devem merecer notas de realce pelos pontos e qualidade de jogo bem documentado, após a retoma competitiva, clubes como o meu F. C. Paços de Ferreira, Gil Vicente, Marítimo, Famalicão, Rio Ave, cujas fórmulas de sucesso muito dignificaram a qualidade de prestação do esforço em jogo jogado nos pontos obtidos.

É claro que o S. C. Braga em trânsito continuado de treinadores deixou bem vincado a qualidade dos seus jogadores e também de uma estrutura fortíssima que tem feito de há uns tempos a esta parte um vulcão acordado a despejar esperança. Será justo referir o exemplo vertido dum humanismo cativante de um ex-aluno Micael Sequeira, que pelo facto de ser o único elemento das equipas técnicas com a licença profissional (Curso Treinador Grau IV/UEFA PRO), apoiou de forma categórica toda a estrutura, sem se colocar em “bicos de pés”, colocando os seus saberes ao serviço do Clube, fazendo da sua identidade profissional o exercício de uma cidadania exemplar.

Outros exemplos poderiam ser referidos. Contudo, marcou-me de forma emocionada a última jornada do D. Aves e sua tão generosa massa associativa em que após uma copiosa derrota em sua casa e já com a despromoção definida, milhares de adeptos rubricaram o amor de bem exercer a paixão pelas cores em sangue, suor e lágrimas o sentir das suas causas.

No F. C. Porto residiu quanto a mim a justiça do Campeão. Nessa capacidade do corpo técnico liderado por Sérgio Conceição, devidamente comprovada dum saber de experiência feito pelo eterno presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, num SER PORTO (temática explorada numa palestra/aula aberta que muito me honrou apresentar em 7 de Janeiro por necessidade de cultivar a memória da partida do mestre Sr. Pedroto), vimos enriquecida uma das fórmulas que de maneira inteligente e profícua o Clube se deixou envolver.

SER PORTO – vendo na resiliência a capacidade de transformar a humilhação em glória e exaltação, onde os fracassos se puderam transferir para acudir às mais eficazes estratégias de superação, transportando na alma as pegadas da experiência vivida e no rosto o suor das verdadeiras causas para vencer, valorizando sempre a força do coletivo, lutando com determinação, rigor, compromisso e paixão.

Penso que a partir dum determinado momento (e esse estava cravado na amargura duma pronunciada distância classificativa), criou-se um sentir e um pensar em que se rasgaram as fronteiras da dúvida e se viu reconstruída uma identidade coletiva demolidora, possuída dum orgulho de pertença na experienciação continuada do sucesso, fazendo de cada gota de suor um momento de confluência dum saber ser com um saber viver.

À medida do tempo, viu-se autenticado esse estatuto de confiança que fez soltar as pernas, alargar os pulmões, energizando o coração, fazendo disparar o talento dos seus jogadores, possuídos dum estado de crença capaz de incutir uma mudança na dinâmica mental e espiritual com um reservatório de energias já impossível de parar.

Penso que Sérgio Conceição indexou na sua filosofia de liderança essa arte inteligente de acolher com circunstância e paciência a filosofia que jorra no espírito que marca a história do tempo, como já por insistentes vezes o refiro (sem nunca me cansar), da dupla mestre Sr. Pedroto e presidente Jorge Nuno Pinto da Costa, interpretando os problemas como desafios, nunca como muitos dos demais os interpretam numa fórmula binária de bênção ou maldição.

F. C. Porto acreditou, confiou e ganhou, fazendo da vontade de vencer uma escolha abnegada de ir para a luta e nunca se render e todos sabemos que aquele que nunca se rende é que tem a única oportunidade de triunfar.

José Neto: Metodólogo de Treino Desportivo; Mestre em Psicologia Desportiva; Doutorado em Ciências do Desporto; Formador de Treinadores F.P.F./U.E.F.A.; Docente Universitário.