Sílvio Lima (1904-1993): contributos para uma análise filosófica e sociológica do desporto (artigo de Vítor Rosa, 113)

Espaço Universidade Sílvio Lima (1904-1993): contributos para uma análise filosófica e sociológica do desporto (artigo de Vítor Rosa, 113)

ESPAÇO UNIVERSIDADE06.07.202020:52

Sílvio Vieira Mendes Lima (Coimbra, 5/02/1904 – 6/01/1993), mais conhecido por Sílvio Lima, foi um investigador e docente universitário de renome. Começou a sua carreira de docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1929, tendo sido interrompida em maio de 1935 pelo reforço repressivo do Estado Novo. Voltou a ensinar em 1942. Ensaísta, filósofo, psicólogo e epistemólogo, deu um contributo relevante no contexto cultural português. Para aquilo que nos interessa, importa destacar que escreveu três livros sobre o desporto: Ensaios sobre o Desporto (1937); Desporto, Jogo e Arte (1938) e Desportismo profissional. Desporto, trabalho e profissão (1939). Outros textos sobre a temática viram a luz do dia, através do jornal portuense “O Primeiro de Janeiro” e o “Diário de Lisboa”. João Correia Boaventura (1924-2013), que teve funções dirigentes na Direção-Geral dos Desportos (extinta em 1993), e que tive o privilégio de conhecer, escreveu que “o Prof. Sílvio Lima foi, neste século [XX], o primeiro e único catedrático que desceu à análise filosófica e sociológica do desporto, dando-lhe a roupagem digna de que já merecia”.

No primeiro livro “Ensaios sobre o Desporto” (1937), Sílvio Lima escreve contra o regulamento de educação física dos liceus, publicado em 1932 (Diário do Governo n.º 90/1932, Série I, de 16/04), onde se condenavam e proibiam os jogos. Neste decreto-lei n.º 21: 100, do então Ministério da Instrução Pública, considerava-se que os desportos estavam claramente fora do “génio do povo português” e que estavam na “presença da decadência manifesta da espécie humana”, fazendo referência que determinados médicos tinham se manifestado publicamente “contra o abuso da mania desportiva definindo-a como uma das causas mais importantes do definhamento do nosso povo”. Na perspetiva deste académico, o desporto tem uma função educativa e é um “dos agentes mais poderosos da democratização social”. Exorta-nos a “amar o desporto, mas com clarividência séria e militante”. Com poucas páginas, este livro contempla 7 ensaios, cujos títulos aqui transcrevemos: desporto e sociedade (1); desporto e trabalho (2); a mulher portuguesa e o desporto (3); desportismo, espectarismo e atletismo (4); a alma do desporto (5); carta a uma senhora que deseja saber nadar (6); o desporto, o medo e El-Rei D. Duarte (7).

Com o êxito do primeiro livro, escreve um segundo sobre a temática: “Desporto, jogo e arte” (1938). Nele, Sílvio Lima procura analisar as relações da arte com o jogo. Integra 6 ensaios: a atitude moral, a atitude científica e a atitude desportiva (1); arte e jogo, jogo e arte (2); desporto, guerra e pacifismo (3); cristianismo físico, cristianismo moral (4); desporto e ascese (5); o desporto e a experiência na Idade Média (6). De forma resumida, podemos referir que o autor continua a encarar o desporto como uma livre atividade humana, que se relaciona com outras atividades (trabalho, arte, ciência, moral, religião, entre outras).

Sílvio Lima escreveu um terceiro livro sobre desporto: “Desportismo profissional: desporto, trabalho e profissão (1939). Nesta obra procura analisar o jogo desportivo nas suas relações com o trabalho e a vida profissional. Para Lima, o assunto não é “frívolo”. Se o desporto se encontrava assente em estudos médico-higiénicos, faltava analisá-lo “filosoficamente”. Escreve, no Prefácio, que “o desporto é uma questão grave (grave, quer dizer, etimologicamente, pesada) que só parece leve aos de cabeça leve como o sabugo e o algodão”. Coloca a questão se o desporto pode ser considerado uma profissão, se se pode tornar, caso não o seja, e se é possível utilizar-se a fórmula “desportismo profissional”. A sua opinião é clara: o desporto não é uma profissão, mas pode-se tornar. Ele é uma “nobre superfluidade”. Assim sendo, na sua opinião, a fórmula é “absurda, contraditória e imoral”. Vai mais longe, referindo que é a “ruína do próprio desporto; socialmente, um perigo ético”. Deveria prevalecer o amadorismo. Não obstante, Sílvio Lima considera que o desporto apresenta uma mais valia do ponto de vista económico e serve para corrigir os “vícios físico-mentais” da profissão, num mundo cada vez mais moderno. A prosa de Sílvio Lima resume-se a considerar o desporto como uma “magnífica escola”.

Estes três livros, que podem ser consultados na Biblioteca Nacional de Portugal, por exemplo, não devem ser esquecidos na poeira do tempo. Sugerimos que os retire das prateleiras, os leia atentamente e faça o seu próprio juízo sobre como interpretar o desporto.

Vítor Rosa

Sociólogo, Doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didática. Investigador Integrado do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento (CeiED), da Universidade Lusófona de Lisboa