Quem 'matou' a mudança? Suspeito 20 – Resistir à Eficácia (Parte 2) (artigo de João Oliveira)

Espaço Universidade Quem 'matou' a mudança? Suspeito 20 – Resistir à Eficácia (Parte 2) (artigo de João Oliveira)

ESPAÇO UNIVERSIDADE01.11.201923:52

“Os nossos treinadores têm cada vez mais conhecimento, mas as nossas equipas não jogam muito melhor. Porquê?” – perguntava o Presidente do F.C. os Galácticos, o sr. Mark Angie, ao Coordenador da Academia, o sr. Anthony Smith, enquanto o Detetive Colombo observava a conversa informal, no bar do Clube. No final da bancada lateral, do complexo de treino da Academia, erguia-se um bar, com as cores do Clube, um ecrã panorâmico, onde se podia assistir à Galácticos TV, e muita gente, normalmente familiares, a acompanhar os treinos de filhos, netos ou ídolos.

Na mesa, estavam 3 chávenas de café, e enquanto o Presidente Angie olhava para os campos de treino, lembrava-se da última conversa, com o Detetive Colombo, acerca de uma das três resistências à eficácia – resistir ao conhecimento (ver AQUI) - estava muito curioso, por descobrir quais seriam as outras duas resistências à eficácia, que podiam estar a comprometer a mudança, no Clube, quando, repentinamente foi interrompido pela pergunta do proativo Coordenador Smith – “Detetive Colombo, o Presidente Angie já me colocou ao corrente da vossa última conversa e estou muito curioso por saber o que pensa sobre este paradoxo, o dos treinadores terem cada vez mais conhecimento, fruto dos muitos cursos e formações, mas as equipas e jogadores não serem mais eficazes. Por que razão é que isto pode estar a acontecer?”

O Detetive Colombo fez uma pequena pausa, para organizar as suas ideias, enquanto os olhares de ambos, do Presidente Angie e do Coordenador Smith, dirigiram-se para ele. A atenção era tal que parecia que mais ninguém estava no campo ou no bar. Parecia que toda a gente tinha desaparecido, nada desviava o foco da conversa e depois perguntou – “viram o telejornal de ontem?” – e enquanto observava ambos a acenarem afirmativamente, continuou – “repararam na reportagem onde o reitor da Universidade fazia uma comunicação?” – e ao voltar a ver o aceno de sim, prosseguiu – “qual era a mensagem, da sua intervenção?”.

O Coordenador Smith recorda-se perfeitamente da peça e respondeu imediatamente – “a necessidade de ir para lá do conhecimento, da Academia se concentrar em desenvolver Competências e não só Conhecimentos” – e, prontamente, o Presidente Angie perguntou – “qual é a diferença, Detetive Colombo?”

“Presentemente, assistimos a uma mudança de paradigma, do paradigma do conhecimento para o paradigma da competência, como tentou destacar o reitor da universidade. Acreditava-se que quem sabia podia fazer e, por isso, começaram a proliferar formações e cursos, para melhorar o conhecimento, mas e infelizmente, nem sempre o ter mais conhecimento se tem traduzido em maior eficácia de intervenção” – comentava o Detetive Colombo, quando foi interrompido pelo Presidente Angie, que disse – “concordo Detetive e é isso que tem acontecido com os nossos treinadores” – e ao olhar para o Coordenador Smith, que parecia recordar os tempos em que começou a ser treinador e quase não havia cursos, clinics e formações, o Detetive Colombo clarificou – “não se trata de substituir o conhecimento por competências, até porque as competências se edificam sobre o conhecimento”.

“Percebo” – começou por dizer o Coordenador Smith e continuou – “está a dizer que o conhecimento está para as competências como um rés-do-chão está para um 1º andar, certo?” e, conjuntamente com o Presidente Angie, olhou para o Detetive Colombo, que acenou afirmativamente e esboçou um sorriso de agrado pela compreensão. O Presidente Angie colocou a chávena de café sobre o pires e construiu – “então, para os treinadores, para as pessoas em geral, serem bem-sucedidas, elas necessitam quer de conhecimentos, quer de competências, mas, repito, qual é a diferença?”

“O conhecimento é “o quê” e a competência é “o como”, por exemplo, para os atletas e as equipas jogarem intensamente, entre muitas outras coisas, necessitamos de saber o que é a resistência aeróbica e anaeróbica, o que é o limiar anaeróbico, qual é o efeito do ácido láctico, (…), mas para jogar intensamente, também necessitamos de saber o como desenvolver a resistência anaeróbica láctica. Ou seja, o que concretamente faríamos se pudéssemos fazer isso, para jogar, neste caso, intensamente” – respondeu o Coordenador Smith.

“Estou um pouco confuso” – começou por dizer o Presidente Angie e, enquanto pensava no que o Coordenador Smith tinha dito, para tentar perceber, perguntou – “recordam-se daquele bolo da Avó?” – e enquanto o Coordenador Smith pensava no Bolo de Chocolate, da sua Avó e o Detetive Colombo no Bolo de Cenoura, da sua Avó, continuou – “a minha Avó fazia um Bolo de Manteiga maravilhoso e delicioso” – e perguntou – “será que a minha Avó conseguia fazer o soberbo Bolo de Manteiga, que desaparecia num abrir e fechar de olhos, sem alguns ingredientes, como a farinha, a manteiga, o açúcar, o leite, os ovos ou o fermento?” – enquanto o Coordenador Smith e o Detetive Colombo acenavam que não, continuou – “e será que o Bolo de Manteiga, da minha Avó, seria delicioso sem a receita que já tinha aprendido com a sua Mãe?” – o olhar do Coordenador e do Detetive pareciam dizer que não e o Presidente prosseguiu – “do mesmo modo que são necessários ingredientes, para fazer um bolo delicioso, também são necessários conhecimentos para sermos eficazes, mas os ingredientes por si, não fazem um bolo, quanto mais delicioso. É necessária uma receita, um conjunto de instruções, procedimentos, como as gramas de cada um deles ou a ordem como se misturam, (o 1º passo, o 2º passo, …), e essas receitas estão para os bolos deliciosos, como as estratégias estão para as organizações eficazes”. O olhar do Detetive Colombo e do Coordenador Smith cruzaram-se, depois dirigiram-se para o Presidente Angie e em uníssono, ambos disseram – “nem mais, excelente imagem Presidente” – com todos a sorrirem.

O Coordenador Smith respirou fundo e disse - “quando estamos na esfera da competência, vamos para lá do conhecimento, trata-se da estratégia que permite colocar o conhecimento em prática e transformá-lo em desempenhos superiores, em “bolos deliciosos, memoráveis e de chorar por mais”.

“Sem dúvida – começou por dizer o Detetive Colombo, quando o Presidente Angie o interrompeu – “recordo ter lido, num livro, que as pessoas, para serem bem-sucedidas, necessitam de conhecimentos e estratégias, e agora, apercebo-me que essas estratégias é o que permite transformar o conhecimento em competência. Então, podemos melhor a formação de treinadores, e não só, também de professores, gestores, médicos, (…), se os cursos e formações forem para lá dos conhecimentos e se, com eles, se edificarem estratégias concretas, que permitam transformar o conhecimento em competência. Mas como chegamos a essas estratégias?”

“Passando-as de geração em geração, como as receitas dos bolos, nas diversas famílias” – começou por responder o Detetive Colombo e continuou – “mas isso exige que os treinadores mais novos conheçam as “receitas” ou estratégias dos treinadores “de cabelos brancos”, que muitas vezes não são aproveitados por Clubes, pelas diferentes organizações ou pela sociedade em geral” – e depois de uma pequena pausa, prosseguiu – “conhecem a expressão, ver para crer!”. O Presidente Angie e o Coordenador Smith ficaram confusos e pensavam – “onde quer chegar o Detetive?”.

“Reparem na ironia, a porta da competência é a estratégia, mas a estratégia, o como fazer as coisas acontecer, só é revelado a quem acredita, antes de ver. Ao não acreditarmos que o conhecimento se pode transformar em ação construtiva, antes de o vermos, não conseguimos aceder ao como, às estratégias e consequentemente ao não obtermos desempenhos superiores, não os vemos, e isso reforça a crença que não é possível. Caímos numa ratoeira” – por esta altura, ambos estavam concentrados no que o Detetive Colombo iria dizer a seguir, que continuou -  “por outro lado, a quem tem conhecimento e acredita, mesmo antes de ver, que é possível transformar o conhecimento em ações concretas, que resultem em desempenhos superiores, é revelado o como, a estratégia, as rotinas nucleares, os rituais essenciais”.

“Detetive Colombo” – começou por dizer o Coordenador Smith – “a minha experiência como treinador e coordenador confirma plenamente o que acabou de partilhar e atrevo-me a acrescentar mais uma coisa, quem conhece e acredita descobre o como conseguir, a estratégia, e ao fazê-lo não só se sente competente, como também confiante e ao sentir-se competente e confiante aumenta a probabilidade de ser eficaz”.

Depois de um breve silêncio, que parecia celebrar a concordância de todos, o Presidente Angie concluiu dizendo – “parece que descobrimos mais um dos culpados de estar a “matar” a mudança no Clube, a resistência à competência, por falta de crença e de estratégias, apoiadas em conhecimentos” – e enquanto pensava nas múltiplas aplicações, nas equipas, nos clubes, nas associações e nas federações, no caso do desporto, mas também nas empresas publicas e privadas, na sociedade em geral, e nas vantagens de todos puderem aproveitar o salto quântico do paradigma da competência, perguntou ao Detetive – “Detetive, qual é a terceira resistência à eficácia?”

A conversa acabou por ser interrompida, por um conjunto de adeptos, que se aproximaram da mesa e começaram a pedir autógrafos ao Presidente Angie e ao Coordenador Smith. Estava na hora do Detetive sair de cena. Dirigiu-se à caixa, para pagar, o que não o deixaram fazer, e ao olhar para trás, viu um “mar de gente”, em volta de duas das grandes figuras do Clube.

João Oliveira é Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.